30 de dezembro de 2005

De pequenino...

Pippini Regalis (Pepino).
Quid sunt stellae?
Albino Scholastico (Alcuíno) .
Pictura culminis, nautarum gubernatores, noctis decor.


Os passos sincopavam na calçada portuguesa nesse ajustamento do desencontro do comprimento das pernas. Brubeck e Desmond urdiram o TakeFive nesse andar alla turca de cinco por quatro e estiveram bem longe da metafísica reflectida nas montras pelo meio da tarde. Mãe e filha discorrem sobre a consubstanciação das estrelas sem tropeções e sem engolir a pastilha elástica.
Assim. De pequenino.

L'année prochaine si tout va bien...

Olharei para os caminhos andados e parecer-me-ão rios cristalinos.



Um bom ano!

14 de dezembro de 2005

sound check


Não sei se alguém ouve o sururu que vai aqui nas conversas entre mim.
As arrumações e armações às vezes armadilham-nos o verbo e entrançam os pensamentos assim numa mescla de sabores entre a hesitação e a audácia. Contudo espraio-me... na vontade de ir ali ao futuro olhar para trás.

5 de dezembro de 2005

A ver...

Há mais a ver gaivotas (e a maioria a ver navios e cavacos) e a ler-lhes o olhar.
Pensar que as aves têm uma narrativa do mundo na ponta do bico e nem precisam de estudar história nem finanças e toda a sua oratória reside nas imperceptíveis (para os humanos) nuances do grasnapiar...
Quando elas permitem a gente pode aproximar-se. Vale a pena aprender-lhes o idioma. Há tanto que lhes queria perguntar!...
Aí Benjamim!!!...

16 de novembro de 2005

Ficamos todos mais descansados..


"Em Fallujah, vi corpos de mulheres e crianças queimados. O fósforo branco rebenta em forma de nuvem e quem estiver num raio de 150 metros não escapa", afirma na reportagem Jeff Englehart, um antigo "marine" e veterano do Iraque que participou na ofensiva.



Ficamos agora a saber que se trata de uma arma convencional. O que faz toda a diferença. Entendamo-nos. Porra!

São armas devidamente testadas na sua eficácia e usadas apenas por estados altamente democráticos e respeitadores dos direitos humanos e detentores da patente de todo o armamento e do alvará para a sua certificação de qualidade.

Nada de confusões. Não se trata de um qualquer fanático suicida com uma bomba à cintura capaz de matar com ele todos os ocupantes de um autocarro de 52 lugares.

15 de novembro de 2005

Al-Gahrbrilho



Há noites assim.
Na TVI ontem.
Duas estrelas duas.
Algarvias
Cavaco Silva e Arlinda Mestre.

Que brilho!

14 de novembro de 2005

Solário mínimo

O vento frio lembrou-me uma outra manhã. Aquela em que deixei um bilhete escrito "vou para a Patagónia" e que ninguém levou a sério porque eu sempre tive a mania de me meter na pele de outros para não estragar a minha. De caminho ainda passei por Passárgada onde tenho um amigo que se convenceu que é rei e anda nú por todo lado e ninguém parece reparar.
E fui assim de reportagem a uma convenção de pinguins em Bahia Mansa sob o (tema do) buraco da camada de ozono e outros estragos feitos ao mundo.
Aqui há um buraco chamado Portugal. E corre um frio em vias de subdesenvolvimento crónico.
Se o engenheiro Pinto de Sousa não tem um projecto para os portugueses que ganham apenas o salário mínimo poderem ganhar quinhentos euros daqui a cinco anos o que está cá a fazer?
Dizem-me aqui que está à espera do Cavaco que há-de vir.
(o Godot manda dizer que está constipado)

13 de novembro de 2005

8 de novembro de 2005

Com Alegre, com afecto

(...)
Vem a noite e mais um copo
Sei que Alegre ma non troppo
Você vai querer cantar
Na caixinha um novo amigo
Vai bater um samba antigo
Pra você rememorar
(...)
Chico Buarque

Poemarma
Que o poema tenha rodas motores alavancas
que seja máquina espectáculo cinema.
Que diga à estátua: sai do caminho que atravancas.
Que seja um autocarro em forma de poema.

Que o poema cante no cimo das chaminés
que se levante e faça o pino em cada praça
que diga quem eu sou e quem tu és
que não seja só mais um que passa.

Que o poema esprema a gema do seu tema
e seja apenas um teorema com dois braços.
Que o poema invente um novo estratagema
para escapar a quem lhe segue os passos.

Que o poema corra salte pule
que seja pulga e faça cócegas ao burguês
que o poema se vista subversivo de ganga azul
e vá explicar numa parede alguns porquês.

Que o poema se meta nos anúncios das cidades
que seja seta sinalização radar
que o poema cante em todas as idades
(que lindo!) no presente e no futuro o verbo amar.

Que o poema seja microfone e fale
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.

Que o poema seja encontro onde era despedida.
Que participe. Comunique. E destrua
para sempre a distância entre a arte e a vida.
Que salte do papel para a página da rua.

Que seja experimentado muito mais que experimental
que tenha ideias sim mas também pernas.
E até se partir uma não faz mal:
antes de muletas que de asas eternas.

Que o poema assalte esta desordem ordenada
que chegue ao banco e grite: abaixo a pança!
Que faça ginástica militar aplicada
e não vá como vão todos para França.

Que o poema fique. E que ficando se aplique
a não criar barriga a não usar chinelos.
Que o poema seja um novo Infante Henrique
voltado para dentro. E sem castelos.

Que o poema vista de domingo cada dia
e atire foguetes para dentro do quotidiano.
Que o poema vista a prosa de poesia
ao menos uma vez em cada anos.

Que o poema faça um poeta de cada
funcionário já farto de funcionar.
Ah que de novo acorde no lusíada
a saudade do novo o desejo de achar.

Que o poema diga o que é preciso
que chegue disfarçado ao pé de ti
e aponte a terra que tu pisas e eu piso.
E que o poema diga: o longe é aqui.
in O Canto e as Armas


A vida sexual dos partidos deixa nos lençóis um cheiro entranhado por mais que se lavem. O que incomoda mais é aquele hálito lascivo na ourela dos discursos. Fui lá e pintei a vermelho de esperança uma janela daquelas vinte e quatro de um outro poeta por onde há-de passar a alegria e a festa e a loucura e o desejo e o afecto e a música e o teatro e todas as artes e sobretudo o n
ome liberdade.

(O título é do Afonso)

4 de novembro de 2005

Aux larmes citoyens!...

Paris brûle-t-il?
nas circunflexas desigualdades ondula o til das madrugadas

3 de novembro de 2005

Teoria da constipação

O senhor está constipado
e ficou mal de repente
porque não teve cuidado
porque foi imprevidente

Para o mal cujo motivo
está na chuva, frio ou sol
qual o melhor preventivo?
Formitrol, Formitrol, Formitrol!

aquilo que ninguém percebia ficou agora claro na inovadora entrevista por escrito que rui rio deu à rádio virtudes. a enigmática frase «fui para vingar e vinguei» foi logo transformada por cavaco num spread de vinte por cento enquanto a maçonaria varria a loja dos trezentos à procura da agulha cabalística. entretanto sócrates já em tempo de compensação utiliza a última substituição insuflável. mesmo no último minuto o passe foi demasiado curto e passou ao lado.

31 de outubro de 2005

B. Leza ê sabe

Por esta hora estará a decorrer uma despedida de um espaço de encontro de culturas.
Gostava de lá ir beber uma última cerveja e segredar ao ouvido duma mulata aqueles versos em criolo escritos pelas paredes.


Cá tem nada na és bida
Más grande que amor!
Se Deus cá tem medida,
Amor inda é maior!
Amor inda é maior,
Maior que mar, que céu!
Mas, entre ote crecheu,
De meu inda é maior!
Hora de bai,
Hora de dor,
Ja’n q’ré
Pa el ca manchê!
De ca bêz
Que’n ta lembrâ,
Ma’n q’rê
Fica ‘n morrê!
Hora de bai,
Hora de dor!

Sabura na dança - Kiki Lima

Ainda está activa uma petição on line aqui com o seguinte apelo:

« O palácio Almada Carvalhais acolheu o B.Leza e, com ele, tantos quantos os que quiseram vir e participar. Música e não só. Cinema, teatro, Exposições de Fotografia e Pintura, Acções de Solidariedade acompanharam anos de vida de um espaço que se tornou uma referência de lazer e cultura. Situado numa zona da cidade de Lisboa que privilegia o contacto com a comunidade africana, beneficiou desta proximidade, tornando-se um lugar de integração. A Lusofonia conquistou mais este espaço, ampliou alma e alegria. Foram muitos os que passaram pelo B.Leza. Se é um dos muitos que ficou, diga-nos que acredita na importância da continuação deste projecto, aqui ou acolá, subscrevendo este texto. »


ALERTA À POPULAÇÃO



DEVIDO AO PROVÁVEL SURTO DE GRIPE DAS AVES, AVISA-SE A POPULAÇÃO DE QUE
SE DEVEM DEITAR O MAIS TARDE POSSÍVEL.

NUNCA, MAS NUNCA,... SE DEITEM COM AS GALINHAS !!!!!!

(recebido por emalho do Alex)

Arre-piar / Ex-cavacar

Corremos o risco de ter um professor de economia a cuspir gafanhotos duma ciência que não lhe serviu para nada quando era suposto servir.
Veio assim a grande verdade num voo de norte para sul sem fios nem frios nem freios. A autoria já se perde por causa dos ecos nas esquinas do palavrar e assim não se pode render e rendilhar outra homenagem que não esta que é dar aqui por reproduzida a piação:
«Os economistas mandam tanto na economia como os metereologistas no tempo que faz»
O pior é que há tanta gente a acreditar que se o Costa Alves fosse primeiro ministro não teríamos tido um ano de seca.

30 de outubro de 2005

Candid'acto... ou l'optimisme

o senhor engenheiro belmiro acha que o senhor professor cavaco será um bom presidente da república. parece que também acha que o senhor engenheiro sócrates é um bom primeiro ministro e que achou o mesmo de quase todos os outros que o antecederam. lá terá as suas razões.
fui conferir com a minha vizinha zulmira faísca que é mulher trabalhadora que já criou quatro filhos e estava quase a reformar-se... disse-me que não percebia nada de política mas tinha a certeza de que o que é bom para o belmiro não o era para ela e fechou-me a porta na cara.
juro que vou pensar no assunto.

25 de outubro de 2005

Semiótica do querçdzer...


Olha Jacques... melhor seria que viesses ver o meu país de marinheiros. Aprendias a atirar solilóquios sobre as ondas assim a saltar como se faz com as pedrinhas achatadas.
Não sei isto é uma indicação ou uma expressão. Pois talvez não lhe tenha posto Bedeutung suficiente para ser considerado como Ausdrücke als bedeutsame Zeichen.
Na palavra que ob-jecto ofereço a voz ao eco e vens tu agora falar-me da Nicht-Existenz palavra e mais não sei quê. Querçdzer...
Assim não dá Derrida.

24 de outubro de 2005

Crónica de um voo inacabado

Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
morreria no meu peito,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
Alexandre O'Neill

E contava-me ela que uma amiga e companheira de arribações plurais sucumbiu com o peso dos recados e logo se encheram as bancadas e os céus de relatos com transmissões directas muito para lá das incumbências.

Resultado: Agá 5 - Ene 1.

Mas acho que o árbito estava comprado.

23 de outubro de 2005

Hamlet sem ovos


Já de esperar se desespera. E o tempo foge
e mais do que a esperança leva o puro ardor.
Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.
Ah se não ser é submissão ser é revolta.
Se a Dinamarca é para nós uma prisão
e Elsenor se tornou a capital da dor
ser é roubar à dor as próprias armas
e com elas vencer estes fantasmas
que andam à solta em Elsenor.
Manuel Alegre

Desde que me treinei a escrever sem vírgulas tenho vindo a ser acometido de alguns pensamentos profundamente respirados sobre os silvos que cruzam o ar.
Fiz uma sondagem à boca do google sobre as intenções ocultas dos presidentidatos e os resultados são claros.
Manuel Alegre - 2.000.000 referências em 0,06 segundos
Mário Soares - 863.000 referências em 0,03 segundos
Cavaco Silva - 296.000 referências em 0,05 segundos
Jerónimo Sousa- 102.000 referências em 0,11 segundos
Francisco Louçã- 78.000 referências em 0,09 segundos
Verifica-se assim uma clara vantagem da poesia sobre o sono post-prandial apesar de tanto um como outro serem instituições a preservar e também que o Francisco Louçã é claramente prejudicado por ter um til no nome e se um til pode ser útil neste caso é absolutamente inútil.
Posto isto acho que devo aconselhar o Manuel Alegre a aceitar o cargo de presidente da rês pública desde que isso não acarrete prejuízo à poesia.



20 de outubro de 2005

Buganvília em Folha

(ou como os comentários podem ser comensais)

O contador afina pelo piar modal das gaivotas.
Percorre mais os fraseados menores da frígia dúvida existencial ao desconcerto lócrio da excentricidade.
É culpado de tudo menos da coerência. O soluçar das melopeias é mais um esculpir no vazio que nunca se saberá modal ou tonal.
Sentemo-nos. As sereias vão fazer a sua apresentação.

Elocução

Quando o chefe fala somos todos ovídeos.

18 de outubro de 2005

O orvalho aljofra
os bambús verdes.
Dir-se-iam lágrimas.
O vento dormente
perpassa no loto
fazendo tombar
uma pétala rósea.

Devagar a noite
estende o seu manto.
Pelo meu caminho
passam pirilampos.
Das bandas do leste
vem o canto suave
de uma flauta distante.

Huang Wan-Chiung (1712-1763)
China

Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville.

Verlaine


Quando se não dorme acaba-se sempre voando sobre qualquer coisa. E assim foi. Um voo sobre um grande amor ou um grande equívoco (porque a vida real é tão simplesmente aquilo que lhe quisermos chamar) num tapete de poesia.
É verdade que a poesia pode servir para tudo. Até para comer. E ser seta envenenada na aparência bucólica e contemplativa dum lago chinês no século XVIII... E há setas fatais. O curare mata porque paraliza os músculos que nos fazem respirar. Morre-se de asfixia... e sem se matar a saudade lembrada na música que chega sobre as águas...

Estaciono o meu tapete. A vida segue dentro de momentos.

14 de outubro de 2005

Aves: truz truz

Erguem-se barreiras nos céus às aladas arribações. Por causa da gripe. Dizem.
Sabemos de ciência escrita que se não puserem cá os ovos os filhos morrem à nascença.
As que não dão sinais de fome e pobreza seguem pela via verde.

10 de outubro de 2005

e lições?

Esta noite não se ouviram buzinões das caravanas automóveis a cantar vitorias.
Parece que foram substituídos por uma manifestação mais moderna e apropriada ao objecto do festejo e mais económica e mais ecológica. O povo será tão soberano e tão sábio quando vota como quando cospe para o chão e atira beatas pela janela do carro e leva os cães a cagar nos passeios.
Mas apitos dourados não se ouvem na minha praia.

25 de setembro de 2005

Pensamentos violentos

O que eu gostava mesmo era de ter uma kalashnikov de tinta permanente...

23 de setembro de 2005

Há anos assim... incomuns

Trissextos, talvez...
É assim mesmo! Faro Kapital da Çultura destaca-se pela inovação no plano cultural, no plano B, no plano inclinado, no aeroplano e... no melhor plano cai a nódoa.
E para quem se anda sempre a queixar que o tempo não lhe chega, aí vai um Setembro maior.


22 de setembro de 2005

«Ela é Deus na Terra»

Palavras de uma devota de Nossa Senhora de Fátima Felgueiras, em directo para a TVI.
Noutro canal corria uma verdadeira isaltação a uma coisa encarrilhada a que chamam satu...
Eles andem aí!

16 de setembro de 2005

Vim di mar


E fui esgalhar o arinto o olho de lebre o boal de alicante a malvasia o fernão pires e sei lá que mais porque o meu mister não é bem chamá-las pelo nome...
Quando o sol mais teimava em lamber-me as espáduas e a sede se acendia na garganta parei na sombra para a saciar (o que dantes era um cântaro de barro agora são garrafas de plástico cheias de água fresca porque devidamente acondicionadas dentro da mala térmica).
Não sei se foi do sol se de me ter baixado e levantado de repente tive um almareio e senti-me como se nadasse por aqueles vinhedos... e senti-me assim camões a furar correntes da maré verde e folhosa com o poema na mão como se isso fosse salvar a humanidade de qualquer coisa assim como por exemplo do buraco da camada de ozono ou seca noticiosa.
Não resisti. Lavei as mão e tirei o caderninho do bornal (não não é um moleskine...) e ali com as mãos a peganhar lavrei o verso com que se tapa o percurso dos anos duma ruralidade adormecida (acho que foi mesmo só para disfarçar...):



Havias de querer beber-me agora
doce mosto
a meias com o meu suor salgado

15 de setembro de 2005

Contador de Gaivotas

voltei daquilo que alguns chamam férias
para mim, é mais arribações
voar por outras paragens e andagens
outros rios
outros mares
depois conto
em piações mais vagarosas

26 de agosto de 2005

arbeit macht frei


o grito não precisa de calçadeira e as hierarquias capitais abstergem até os suspiros
improváveis dias na marcial formatura investem na aprovação da calenda imobiliária
nada como espetar um prego na fachada espasmódica do engodo matutino inútil
quando se exorta à emundação das incertas e passífloras decisões


afinal
quantos anjos se podem pôr a dançar em cima da cabeça de um alfinete?

25 de agosto de 2005

Parabéns madame!


No ano de 2005 a coreógrafa Olga Roriz comemora 3 marcantes aniversários: 30 anos de carreira, 10 anos da sua Companhia e 50 anos de idade que não podem passar impunes nem ignorados.
(...) Para não esquecer que a morte existe é preciso festejar a vida.


Acho que já ninguém se lembra, mas há cerca de três mil anos aportou aqui um barco fenício. Descarregaram as ânforas e ficaram três dias na praia a cumprirem as celebrações do sal. Diz-se que se movimentavam no areal segundo a vontade dos deuses expressa nos sons da harpa eólica. Ao pôr do sol tudo parava. O vento calava-se.
E tudo recomeçava no dia seguinte até ao último que era o da partida. Aqueles movimentos repetiam iguais porque era a alma que levava o corpo com ela. Mais tarde chamaram a isto dança. Talvez porque derive de dansal.


FELICITAÇÕES MADAME – PARTE II:
dias 26, 27 e 28 de Agosto, às 18h30
Local: Ilha do Farol - Faro

Duração: 60 minutos
Para todas as idades
Entrada Livre

22 de agosto de 2005

"Cacha"

PINHAL ESCAPA AOS INCÊNDIOS
por falta de jornalistas disponíveis para cobrir o acontecimento

19 de agosto de 2005

Clair de lune



When the Moon is in the Seventh House,
and Jupiter aligns with Mars
Then peace shall guide the planets,
and love will steer the stars
This is the dawning of the Age of Aquarius ....

Harmony and understanding

Sympathy and trust abounding
No more forces of derision
Golden living dreams of visions
Mystic crystal revelations
And the mind's true liberation
(Aquarius, Hair, 1968, Broadway)


Consultei o calendário astronómico e fiquei a saber que a lua está completamente cheia. Eu já sabia porque tenho andado a mirá-la desde que apareceu assim baixinha, no céu, para os lados do poente, na forma de uma barquinha que vai crescendo... E esta tem o brilho mítico da lua de Agosto. Diz-me ainda o dito calendário que ela está em Aquário, mas isso nem discuto.
Cresci a vê-la aparecer sobre a crista dos pinheiros. Hoje vejo-a espelhar-se no mar. Não sei se é a mesma lua. Eu já não sou seguramente o mesmo rapazinho que fazia um esforço para não apontar para a lua, porque alguém tinha dito que isso fazia nascer cravos nas mãos.
Uns anos mais tarde nasceram cravos nas mãos de muitas pessoas, mas isso foi em Abril e já não parece haver assim tanta gente a lembra-se do brilho dessas noites.


("Clair de Lune" - DigitalArt por Corine Baron)

18 de agosto de 2005

Liga-me

Sentes o calor dos dias grandes?
É a vontade de sair por aí com muito pouca coisa na bagagem. Penetrar a geografia e suar pelos atalhos com a nostalgia das cascatas límpidas.

16 de agosto de 2005

Poema, ou faz-de-conta, e dedicatória também, mais ou menos a roçar o principalmente









(aos minutos surreais)




E tropeçaram pois
num sentimento em forma de assim
(diz ele)
a revolver os dias de manufacturas
inquietações.

Os amantes sabem pouco de profecias
e, por isso, entretêm-se
a olhara lua, o mar
(e a ponta dos dedos)
à espera de se acontecerem.

E, a conto,
tecem com as mesmas palavras
cortinas e vontades
sem saberem dos avessos
de silêncios impermeáveis.


(escrito [de en] contra a Poesia Completa de O'Neil, só para destrabalhar as coisas em concreto, a nove de agosto de dois mil e cinco)

10 abafos


(um) Há sempre duas estradas na mesma, ainda que tenham um só nome. Sim. Têm nomes de família e também nome próprio. A familia IP, a IC e família mais rica chamada A. Ah, pois... e há ainda uma velha família que ainda detém um título assim para o nobre, mas na maior parte dos casos já está completamente arruinada. Refiro-me às saudosas EN.(dois) E dizia eu que as estradas são sempre duas: uma para ir e outra para voltar; uma que aproxima e outra que afasta; uma que junta e outra que separa...(três) É por isso que os pensamentos têm direcções e os sentires riscam sentidos assim como setinhas nos mapas emocionais.(quatro) E não se pense apenas no prosaico "vamos para a festa!" - "vimos da festa..." porque a festa tem muitos sentidos e vir da festa pode ser mesmo ir para uma autêntica festa!(cinco) Pois eu já percorri muitas estradas e fui a muitos sítios.(seis) Também já quis fugir de mim e então ia e vinha por caminhos diferentes para estar sempre só a ir. Mas isso era no tempo em que ainda não me tinha apercebido que cada estrada era duas e que aquele de quem eu fugia ia ali sempre comigo também a fugir do mesmo.(sete) Agora é diferente. Vamos juntos e conversamos e até descobrimos que somos mais.(oito) E mais. Frequentemente trazemos outros e dramatizamos ali coisas que acontecem e que não acontecem.(nove) Fica para outras viagens o saber se isto serve para alguma coisa ou se é só para entreter quilómetros.(dez) Em todo o caso vou colocar um autocolante atrás a dizer: "miúdos a bordo".

(Piações de uma gaivota em terra)

3 de agosto de 2005

Micro-ondas...


Entre conversas e piações lidas também aqui e ali, decidi juntar-me à causa e fazer também uma ondita das minhas, assim, a capela, sem outro acompanhamento que não seja o da reverberação do bater de asas de algumas aves (dizem alguns que isso é capaz de provocar um furacão ou um tsunami) e o do eco das falésias indomadas.
No grasnar irónico de uma gaivota minha conhecida, temo um governo de Otários e um povo a ver passar os comboios (de alta velocidade).

O barrete oficial será distribuído gratuitamente a quem voluntariamente declarar aceitar um novo aumento de impostos para a realização da obra.

2 de agosto de 2005

Janelas para a terra


Farto de voar
Pouso as palavras no chão
Entro no mar
Sinto o sal de mão em mão
Tenho um barco na vida espetado
Só suspenso por fios dum lado
E do outro a cair
a cair
no arpão
no arpão
Levo a dormir
Sonhos que andei para trás
Ergo o porvir
Trago nos bolsos a paz
Tenho um corpo na morte espetado
Só suspenso por balas de um lado
E do outro a escapar
a escapar
de raspão
de raspão



Ponho a girar
Cantos que ninguém encerra
De par em par
Abro as janelas para a terra
Tenho um quarto na fome espetado
Só suspenso por água de um lado
E de outro a cair
a cair
no alçapão
no alçapão
Farto de voar
Pouso as palavras no chão
Entro no mar
Sinto o sal de mão em mão
Tenho um barco na vida espetado
Só suspenso por fios dum lado
E do outro a cair
a cair
no arpão
no arpão

Sérgio Godinho, in "os sobreviventes"

Por acaso até fiz umas curvas no destino. Logo de pequinino.
E aprendi a nadar e a amar e a sobreviver a todas as estradas e romances.
A liberdade continua a passar por aqui (por muito que lhe queiram cobrar portagens).

Sérgio Godinho hoje à noite no Forum Algarve




1 de agosto de 2005

Astrid entre Dalí e Rivera




Antes de aqui chegar só conhecia o mar dos teus olhos e a música do teu nome, Helena, sem as metamorfoses das guerras de colorir livros de história antiga.


Mas isto foi antes, muito antes do eclodir dos pirilampos nas cascatas do teu cabelo.


Já só me falta morrer nas punhaladas de um tango bendito em esquinas maiores.


As cinzas, já sabem, são para espalhar pelos oceanos.

27 de julho de 2005

日を累ね月を積む-武生



Equizenar-te?
「地蔵院」で毎月開講している松野宗純禅師(PHP全国友の会会長他)の人間学講座を、禅の智慧を経営に生かしたいと発心して聴講している一中小企業経営者のつたないノート。テキストは国民教育の父と称される森信三 著「修身教授録」を輪読。又、松野先生ファンの方へ先生の近況をお伝え出来ればと考えています。宮本武蔵「独行道」21箇条Tシャツ 吉川 壽一

Às vezes oiço vozes. Não, não dessas de que fala a DSM-IV. São vozes emergentes das cascatas sonoras dos dias e das noites. E também das vozes vozes que são dizeres e que depois se cruzam com o compasso dos motores, o apito do comboio, o drum 'n' bass laboral ou, ainda, o zurzir do vento e o fragor do mar...
E assim nascem palavras transgénicas.

22 de julho de 2005

Cânticos da lua cheia
















Formosa és, amada minha, como Tirza, aprazível como Jerusalém, imponente como um exército com bandeiras.

Desvia de mim os teus olhos, porque eles me perturbam. O teu cabelo é como o rebanho de cabras que descem pelas colinas de Gileade.

Os teus dentes são como o rebanho de ovelhas que sobem do lavadouro, e das quais cada uma tem gêmeos, e nenhuma delas é desfilhada.

As tuas faces são como as metades de uma romã, por detrás do teu véu.

Há sessenta rainhas, oitenta concubinas, e virgens sem número.

Mas uma só é a minha pomba, a minha imaculada; ela e a única de sua mãe, a escolhida da que a deu à luz. As filhas viram-na e lhe chamaram bem-aventurada; viram-na as rainhas e as concubinas, e louvaram-na.

Quem é esta que aparece como a alva do dia, formosa como a lua, brilhante como o sol, imponente como um exército com bandeiras?

Desci ao jardim das nogueiras, para ver os renovos do vale, para ver se floresciam as vides e se as romanzeiras estavam em flor.
Cântico dos Cânticos 6:5 a 6:11
Ontem corri atrás da lua espelhada no mar.
Encantei-me na Tavira Moura com a música das palavras e outras delícias.

20 de julho de 2005

Margens, j'arrive!...



De que noite demorada
Ou de que breve manhã
Vieste tu, feiticeira
De nuvens deslumbrada
De que sonho feito mar
Ou de que mar não sonhado
Vieste tu, feiticeira
Aninhar-te ao meu lado
De que fogo renascido
Ou de que lume apagado
Vieste tu, feiticeira
Segredar-me ao ouvido

De que fontes de que águas
De que chão de que horizonte
De que neves de que fráguas
De que sedes de que montes
De que norte de que lida
De que deserto de morte
Vieste tu feiticeira
Inundar-me de vida.
(Letra: Francisco Viana/Música: Luís Represas)

A noite quente soltava os corpos ao brilho da lua quase magna.
Tenho a certeza que à mesma hora estava a nevar sobre a marginal.
Dessa neve que não espera, na ânsia do derreter.
A água tem destas coisas...
E depois enrolo-me no feitiço que eu cá não sou de empatar feiticeiras.

19 de julho de 2005

Anepígrafo

Se uma árvore cair na floresta e não estiver lá ninguém para ouvir, será que produziu som?
A esta hora já deixei de sentir as dores do mundo, embora ele se doa e ao mesmo tempo se anestesie para não sentir. E já me quer parecer que a ruptura de um contrato pode doer mais que uma ruptura muscular e que um morto em Nova Yorque, Madrid ou Londres tem uma morte mais dolorosa que em Bagdad.
Vou acrescentar mais umas gotas e anestesiar todos os meus pedaços.
Despedaço-me, pois.
Mas sem dor.

12 de julho de 2005

Época balnear


Ribeira dos Milagres

A presença dos corpos perturba as conversas junto ao mar. Perturba em todos os sentidos. Perturba os sentidos.
Vou procurar outras falas.


Procurei numa agência de viagens o destino de férias Ribeira dos Milagres. Disseram-me que não existe. Mas é pena. Uma invasão de veraneantes este ano talvez mudasse aquilo que não se resolve há muitos anos. Que nenhum governo quer resolver. Nem nossa senhora de Fátima, nem o bispo de Leiria, nem o movimento pró-vida, nem o padre Borga, nem a Lili Caneças, nem o Quim Barreiros, nem o Luís Figo...
Não custa nada. À Ribeira dos Milagres vai-se pelo cheiro e pelo roncar de quatrocentos mil porcos e meia dúzia de mercedes dos reis do gado.
Boas férias.

7 de julho de 2005

G-Eight / G-Hate

Ma'qu'jeite!...
Levantaram-se em bandos com o estrondo, as gaivotas, ainda mal refeitas da noite mal dormida. Dizem-me que sentiram a terra tremer. Um pequeno sismo, assim como um suspiro de desalento do planeta a cismar sobre as poderosas conspirações.
E ainda há quem perca tempo em olímpicas disputas sobre qual das cidades merece o título de Capital da caca de cão!...

Se não houvesse gente a morrer à fome, a coisa até tinha piada...
Mas hoje já morreram bem mais do que cinquenta... e daqui a uns anos pouca gente se lembrará onde fica Quioto.

Olhá bolacha americana torraaaaaaaaaaada!...


6 de julho de 2005

30 anos

Ontem acho que não choveu naqueles dez granzin di terra.
A festa foi outra.
30 anos de independência com que de bom e de mau isso tem.
Pela noite dentro, ainda vi o meu amigo Djurumani a tentar fintar o destino e a lembrar-me o canto (tude drêto, ermon?).


Um abraço aos amigos de Cabo Verde.

E no cantar da Cesária:

La na ceu bo é uma estrela
Ki cata brilha
Li na mar bô ê uma areia
Ki cata mojá
Espaiote nesse monde fora

Sô rotcha e mar
Terra pobre chei di amor
Tem morna tem coladera
Terra sabe chei de amor
Tem batuque tem funaná

Passepartudo

«Não vale a pena suportar tanto castigo.
Procuras Ítaca. Mas só há esse procurar.
Onde quer que te encontres está contigo
dentro de ti em casa na distância
onde quer que procures há outro mar
Ítaca é a tua própria errância.»
(Manuel Alegre)

Ajusto os headphones e tento sintonizar o canto das sereias em FM. Ao contrário de Ulisses só encontro o rumo quando me perco.
Os meus instrumentos de navegação e orientação são bastante precisos, mas volúveis. Há dias em que apontam para todas as direcções.
E estão certos!

5 de julho de 2005

Cerf volant - Cerf voleur


Pensando bem, se alguém se apropriasse do vento do vento até podia vendê-lo. E fazer subir o seu preço trancando-lhe as portas. Provocar uma guerra para disputar a sua posse e, logo, torná-lo mais caro e aumentando assim os lucros.
Quando isso acontecer, vai ser proibido lançar papagaios, brincar com coloridos vira-ventos e assobiar.
Mas haverá sempre alguém a semear palavras ao vento...

4 de julho de 2005

Ex-citação contrasenso

Pronto já tá. O Contador de Gaivotas já fazia parte da lista dos blogues amigos e também dos amigos dos amigos assim numa rede estendida de nós e laços e outras menos óbvias linkações.
Agora completou-se o ritual de passagem. O meu amigo HFR (re)citou, com todos os preceitos, uma generosa posta de pescada.
E assim temos um blogue adulto, mas sem saber como se comportar.
Acho que vou pedir umas lições de etiqueta à doutora Paula Blogue-on.

Um abraço consenso.

30 de junho de 2005

~~~ ^^ *«^»* ^^ ~~~

Porque há piações destituladas, fica assim com uns sinais que nem eu percebo...
Comecei por explicar a desconstrução criativa como quem destrói uma construção de legos-mecanos. A coisa é feita assim bonita e certinha para estar na montra e depois a vida não nada assim e a gente percebe que nem precisa de metade das peças.
E que também, sim senhora, tinha percebido tudo desde o início e até era capaz de repetir tudo, porque aquela data tinha algum significado para mim, porque mais coisa menos coisa, fazia anos ou meses ou talvez dias que tinha dado por falta de uma estrela. E era capaz de repetir tudo o que me tinha dito. Que era promoção e ficava isento do pagamento por toda a vida e ainda tinha um bónus de seis meses.
Como se tinha aguentado bem com a tempestade, sugeri que pusesse lá nos registos que estava muito interessado e que ia pensar e assim. E assim podíamos continuar a conversa a compasso de ondas e aragens.
Só não disse que tudo isto era uma bruma com que me enrolava antes do jantar.

28 de junho de 2005

Contando...


Faço contas. Faço de conta. Perco-me na conta, peso e medida. E também nos rumos, azimutes, horizontes...

Espraio e rio. Contemplo.
Demoro nas memórias lavradas na areia.
O que há-se ser nem nós o sabemos.
Mas há-de ser.
E a resposta - di-la-ão sempre os poetas - é que todas as respostas virão no vento.

27 de junho de 2005

Todas as praias...

E ainda dizem que morreste!...

Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.
Sophia de mello Breyner Andresen

Mas fiquei a saber que apareceste a espalhar um tempo futuro como quem semeia utopias para nascerem no vento. Não sei se é justo servires assim de senha de acesso nacional... a tua voz fica bem melhor tatuada nas cascatas.
E porque também me sinto capaz de florir em todos os jardins.
E beber das fontes sem me saciar nunca.
E abraçar florestas...
Posso ficar a olhar o rio, a saborear o travo de uma Guiness.
O pé bate-se sozinho. Celta-se numa jig ali tocada.
E sem desassossegos grandes... assim - à beira-rio.



O meu amigo Manel perdeu o pai hoje.
A única coisa que sei fazer é dar-lhe um abraço em silêncio.

21 de junho de 2005

Metalogos


Sentámo-nos ali no areal e desembrulhámos o farnel. E por causa de uma formiga começámos a falar de vida e de morte e do que aconteceria se conseguíssemos matar a morte.
Já o sol se abalançava ao mergulho poente...
- Acho que as pessoas que morrem, depois voltam a nascer.
- E porque é que não pensas que morrem umas pessoas e nascem outras?
- E tu achas que era possível estar sempre a fazer pessoas e caras diferentes? Já não haveria imaginação!...

O silêncio encheu-se completamente de metafísica misturada com maresia.

17 de junho de 2005

Ouver a Sul...

Vinte cinco anos de músicas hoje mesmo na pontinha do dia.

Parabéns Rui e... break a leg!

é uma dor pequenina
quase como se não fosse
e como uma tangerina
tem um sumo agridoce

de onde vem essa dor
se a causa não se vê
se não é por desamor
então é uma dor de quê?

não exponhas essa dor
é preciosa é só tua
não a mostres tem pudor
é o lado oculto da lua

não é vício nem costume
deve ser inquietação
não há nada que a arrume
dentro do teu coração

certo é ser dor de quem
não se dá por satisfeito
não a mates guarda bem
guardada no fundo do peito!

(A Tua Pequena Dor - Carlos Tê/Rui Veloso)

16 de junho de 2005

Morrer na praia


"Lovers" by Njogu
Eles foram viagem, descoberta, aventura, espanto.
Foram riso e sal, suor e sonho. Equilibristas, peregrinos, grãos de areia, saltimbancos clandestinos.
Amantes ao sol, náufragos de searas e planícies, contempladores de constelações e crescentes.
Domadores de marés e tempestades.
Desfalecem agora na praia na carícia das ondas a lamberem-lhes as feridas.

E hoje está um belo dia.

15 de junho de 2005

Até amanhã...


palavras que ficam coladas à história. Aprendi a palavra "Rumo" num panfleto clandestino a anunciar a vitória de um profético "homem novo".
Cresci a acreditar num "amanhã". Nunca entendi muito bem porque é que as utopias, sejam elas quais forem, se guardam sempre para amanhã...
Hoje não vou ao teu funeral.
Despeço-me:

Até amanhã...

14 de junho de 2005

Contradores


.

Hoje é o dia nacional de Luta Contra a Dor.

O alívio da dor é um Direito Humano.

A vocação de observador da praia e do horizonte e o exercício de contador leva-me muitas vezes ao encontro com sofridos gestos espalhados pelo areal como despojos devolvidos pelo mar.
E dói-me a tua dor.


13 de junho de 2005

Onde estão as barcas? Onde são as ilhas?

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos

Também eu, génio, te quis matar. Tal como todos os poetas que conheço.
Porque andaste uma vida a encher as palavras de sal, a espremê-las com as mãos, sempre rente ao mar, na urgência do pólen que te brotava do peito...
Porque inclinaste as noites e partiste os dias um a um, e de palavra em palavra deste às romãs a cor do lume...
Porque inventaste o riso breve, desbravaste a síncopa dos peixes verdes e o contratempo do adeus...
Porque sempre me avisaste que irias com as aves...

Agora só me resta beber-te a sede.

8 de junho de 2005

Ondança

Hoje é o Dia Mundial dos Oceanos.


Foto de Valter Matos (roubada aqui)

Deve ser por isso que hoje nenhum petroleiro lava os tanques no alto mar; nenhum país deposita lixo radioactivo; nenhum arrastão anda a varrer o fundo; nenhum banhista descartou para as praias os plásticos dos seus excessos...
Hoje vou, talvez, embrulhar-me numa onda e dançar com ela.
Depois acordarei com a sensação de lhe ter jorrado sémen no seio.

7 de junho de 2005

gaivota

A partir de hoje, no Contador de Gaivotas, já é possível vir só ver os bonecos.

6 de junho de 2005

Resort danada

Sagrou-se ali o ambiente passerelle porque era dia e, já se sabe, todo o turista viu. E nestas performativas falações é sempre bom levantar alguma areia ao vento e dirigida aos óculos escuros. E depois são mil e tal e coisa assim em cima das dunas, mais uma que é uma Pina colada no farol... E logo as presidentadas vozes a tentarem chegar à estratosfera re-lixando o verbo ali remendado...
A piação das gaivotas é sabia. Elas vêem lá de cima e não entendem como alguns crimes se chamam empreendimentos. E eu não lhes consigo explicar que isso meteu muito dinheiro e outras vantagens nas mãos de alguns e mais umas bandeiradas contrapartidas. Não entendem! Precisam de se renaturalizar, talvez.

1 de junho de 2005

வம்சி - ரஜினியின் அடுத்த படம்

Namasté!...

O Contador tem uma versão em hindi.
Falará de praias de ondas rasteiras com mais corvos que gaivotas.
Por isso é que no título se escreve "o grasnar dos corvos".
Alguém que me traduza isto.

சந்திரமுகியில் வேட்டைய ராஜா கெட்டப்பில் வில்லன் போல் நடித்தது ரசிகர்களுக்கு மிகவும் பிடித்துப் போனது. விக்காக இருந்தாலும் வாக்கெடுத்து தலை சீவி லக்கலக்கலக்கலக்கா என்று சொல்லும் வில்லத்தனமான நடிப்பு ரஜினி பட்டய கெளப்பியிருந்தார். அதனால் அடுத்த படத்தில் வில்லனாக நடிக்க ரஜினி முடிவெடுத்திருக்கிறார்.ஆனால் வேறொருவர் கதாநாயகனாக நடித்து தான் வில்லனாக நடிப்பதை ரசிகர்கள் விரும்ப மாட்டார்கள் என்பதால் அவரே கதாநாயகனாகவும் வில்லனாகவும், ஆக மொத்தம் இரு வேடங்களில் நடிப்பதாக முடிவெடுத்திருக்கிறார். ஜக்குபாய் மூலமாக ஏற்பட்ட மனக்கசப்பை போக்க இதை கே.எஸ்.ரவிக்குமாரையே டைரக்ட் செய்ய அழைத்திருக்கிறார். இதன் பெயர் வம்சி என் சூட்டப்பட இருக்கிறது. இசை மீண்டும் வித்யாசாகர்.என்னால நம்ப முடியலன்னு சொல்லரீங்களா...ரஜினி இப்ப வில்லனா நடிச்சா சூப்பரா இருக்குமேன்னு தோணுச்சா... அதோட ரொம்ப நாளா எதுவுமே பதியலையேன்னு கொஞ்சமே கொஞ்சூண்டு சங்கட்டமா இருந்துச்சா... அதேன்... ச்ச்ச்ச்ச்சும்ம்ம்ம்மா.

Hic et nunc

"... pero que todos sepan que no he muerto;
que hay un establo de oro en mis labios;
que soy el pequeño amigo del viento Oeste;
que soy la sombra inmensa de mis lágrimas ..."
Federico García Lorca

Às vezes o tempo e o modo estão na sola dos pés e ficam inscritos na areia até à próxima maré. Só até à próxima maré. Ou só até que uma lambidela de um vento mais agreste os arrase.
E assim, matinal e breve, me visto de contrários. Aqui e agora. O primeiro passo de um longo caminho que se faz apenas andando. E logo hoje que tenho que desenhar os mapas e os percursos futuros.

30 de maio de 2005

Pássaros doçul...

Si el sueño fuera (como dicen) una
tregua, un puro reposo de la mente,
¿por qué, si te despiertan bruscamente,
sientes que te han robado una fortuna?
(Jorge Luís Borges)

E ali se postou um bando ainda muito jovem e simultaneamente instituído. Eu que levo a vida a recolher destroços que o mar devolve, olhei-os assim como quem lhes quer ver as vísceras e tentei mostrar-lhes alguns mapas e itinerários para sua livre escolha.
Acabámos a discutir a alegada crise do espírito associativo contra o aparente incremento dos corpos danone e, ainda, a arte de obrigar velhinhas a atravessar a rua.
E curtimos bué!

17 de maio de 2005

Não me deste tempo...

Foi uma onda grande.
Um ribombar de dor de estalar a alma.
A notícia veio no vento norte.
Gelada.

A minha amiga deixou-se morrer.
Não cheguei a mostrar-lhe
tudo quanto me fazia gostar dela.

Desculpa, Fátima...
Precisava de muito mais tempo.

12 de maio de 2005

Praia do Martinhal

Não são só os sobreiros que andam em más Companhias. Conta-me uma gaivota bem informada que Sagres vai receber um complexo turístico de luxo em pleno Parque Natural da Costa Vicentina . Um bico de gaivota tem alguma dificuldade em pronunciar estas palavras, contudo explicou-se muito bem. De luxo, punhão!
E depois voou a piar tristezas.

11 de maio de 2005

Mudandança

Acordei a pensar ilhas. Mar a v(er) ilhas.
Granzin di terra longe, gente de sôdade e morabeza, de saburra e blimundo...
Dja seca. E seca na dor.
Mas odji ta tchób...
E trouxe o mar um soneto temperado por aquela fala quente com balanço de coladera.
'Brigado, Morna, nha cretcheu.

Ta muda tenpu, ta muda vontadi,
Ta muda ser, ta muda konfiansa;
Tudu mundu é fetu di mudansa,
Ta toma senpri nobu kolidadi.

Sen nunka pára nu ta odja nobidadi,
Diferenti na tudu di speransa;
Máguas di mal ta fika na lenbransa,
Y di ben, si izisti algun, ta fika sodadi.

Tenpu ta kubri txon di berdi manta,
Ki di nébi friu dja steve kubertu,
Y, na mi, ta bira txoru u-ki n kantaba

Ku dosura. Y, trandu es muda sen konta,
Otu mudansa ta kontise ku más spantu,
Ki dja ka ta mudadu sima kustumaba.

José Luis Tavares

2 de maio de 2005

O polo norte, o polo sul e o polyamory...

The sound of a kiss is not so loud as that of a cannon, but its echo lasts a great deal longer. Oliver Wendell Holmes

O sol já ia alto e a conversa ainda se confundia com a humidade da areia. E soltou-se assim do bico numa outra língua: que é isso de ethical sluts? Juntei de novo os búzios, alisei com a mão um círculo de areia e, num googleano movimento, logo ali os estendi. Concentrei-me para traduzir o achado e deles saiu uma espécie de vida vivida sem barreiras nem mentiras alternando wibble com fubble. O meu interlocutor sacudiu vagamente as asas (um tique que lhe conheço quando começa a ficar impaciente com as humanas peias morais) e atirou-me com algum desprezo: Só descobriram isso agora?

19 de abril de 2005

Arte de voar

Aetas: carpe diem,
quam minimum credula postero

(Odes, I, 11 – Horatius)

Fechei por um momento os olhos e recordei aquele sonho em que teimavas que eu aprenderia a voar contigo. Eu, temendo desiludir-te, ia-me esquivando, mas tu insistias e abrias argumentos em leque com que abanavas as minhas hesitações.
Não consegui, finalmente, resistir ao argumento sagital. Era porque querias muito.
E lá me explicaste como deveria fazer e, sobretudo, para não ter medo, porque só isso me poderia fazer cair. E assim foi. Elogiaste o meu voo e brincámos com aquela estória do Luís Sepúlveda de pôr um gato a ensinar uma gaivota a voar...
Achei que não ficaste muito satisfeita quando comecei a sugerir algumas correcções para melhorar a técnica.
Desculpa. É a minha natureza...

7 de abril de 2005

Abrílogo

Estas VTIC são uma maravilha. Eu explico: VTIC significa velhas tecnologias de informação e comunicação. E refiro-me em particular à MB (message in a bottle) ou em português MG que se lança ao mar depois de se pensar com alguma intensidade na força e orientação das correntes marítimas e também dos ventos e outras energias. As principais características deste meio de comunicação são a lentidão, a incerteza sobre o destino e o destinatário e a impossibilidade de retorno. E isto faz toda a diferença relativamente a outros meios! Mas não é disso que vou falar.
Hoje o mar devolveu-me uma garrafa com uma mensagem dentro. Quando a abri, reconheci-a e lembrei-me de a ter lido e lançado novamente ao mar, num qualquer Abril. Voltou a mim passado algum tempo. Sei que foi lida e reencaminhada muitas vezes (vinha cheia de FWs acrescentados ao original).
Vou estendê-la aqui a secar.


Há muitos anos, era a liberdade ainda pequena...
Eu também era um menino. E saltava pelas janelas

dos meus cadernos escolares e saía a correr
pelas portas que abria em cada livro.
As viagens que eu fazia!
A liberdade-menina

era uma fotografia na parede do meu quarto
e tinha uns olhos bonitos
que me seguiam.
Às vezes até me escondia e olhava de repente

a ver se ela estava distraída...
Mas nunca a apanhei em falta. Acho que era por gostar de mim...
Era a minha namorada!
Um dia acordei e vi que ela tinha crescido tanto

que já não cabia no meu quarto
e escorria pelas ruas
e dançava com toda a gente
e deixava-se beijar...
Não, nunca tive ciúmes!
Aquela que eu amava quase em silêncio

podia ser amada de todos
à luz do dia!
E vestiram-na de bandeiras
(ela que sempre se quis nua)

e foi momo de carnaval.
Embrulharam-na em editais,decretos e alvarás

e até as finanças lhe quiseram cobrar impostos.
Mas a minha amiga liberdade,

discretamente,
rasgou todos os cartões
e cartas de alforria,
e passou a andar por aí.
Disso tudo,

conservou um cravo no cabelo
que lhe fica tão bem.

Saímos muitas vezes juntos;

fazemos caretas às chatices
e escrevemos na areia da praia
em letras bem grandes o nosso caderno reivindicativo.

Ah! Temos uma coisa íntima
que tomo a liberdade de revelar:
Fazemos amor sempre que nos apetece!

Amamo-nos sempre!

3 de abril de 2005

Abri-lo!

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais feliz
dos povos à beira-terra
José Carlos Ary dos Santos

Voltei para abrir de par em par as portas do mar de Abril.
E logo me embebedei de maresia que andava à solta pela praia.
Depois, embalei-me de contradições e outros sonhos meridianos
.

21 de março de 2005

Para não dizerem que não falei de flores...

DECLARAÇÃO DE AMOR
Minha flor minha flor minha flor.
Minha prímula meu pelargônio meu gladíolo meu botão-de-ouro.
Minha peônia.
Minha cinerária minha calêndula minha boca-de-leão.
Minha gérbera.
Minha clívia.
Meu cimbídio.
Flor flor flor.
Floramarílis.
Floranêmona.
Florazálea.
Clematite minha.
Catléia delfínio estrelítzia.
Minha hortensegerânea.
Ah, meu nenúfar.
Rododendro e crisântemo e junquilho meus.
Meu ciclâmen.
Macieira-minha-do-japão.
Calceolária minha.
Daliabegônia minha.
Forsitiaíris tuliparrosa minhas.
Viole ta... Amor-mais-que-perfeito.
Minha urze.
Meu cravo- pessoal-de-defunto.
Minha corola sem cor e nome no chão de minha morte.
Carlos Drummond de Andrade

Come, 'mor, Arte!

Hoje só comi poesia. Gosto dela ao natural e também de lhe acrescentar os meus temperos e molhos (abertos e fechados) de redondilha.


ARTE POÉTICA

Que o poema tenha carne
ossos vísceras destino
que seja pedra e alarme
ou mãos sujas de menino.
Que venha corpo e amante
e de amante seja irmão
que seja urgente e instante
como um instante de pão.

Só assim será poema
só assim terá razão
só assim te vale a pena
passá-lo de mão em mão.

Que seja rua ou ternura
tempestade ou manhã clara
seja arado e aventura
fábrica terra e seara.
Que traga rugas e vinho
berços máquinas luar
que faça um barco de pinho
e deite as armas ao mar.

Só assim será poema
só assim terá razão
só assim te vale a pena
passá-lo de mão em mão.
Hélia Correia

Neste dia...

Queria soltar um poema
todo ele de verdade
para dizer em cada linha
o que vai dentro de mim
A inspiração foi serena
mas pouca a habilidade
Deixo uma grande entrelinha

E o poema fica assim

~~~~~~~~~~~~~~~~

Dia primo de primavera
e da poesia
da rosa dos ventos
do mundo...

18 de março de 2005

Agarra o vento!...

Esperar junto a este mar
(en el que nacieron las ideas)
sin ninguna idea.
(Y así tenerlas todas.)
António Salinas

E logo hoje que me sinto sem me saber dizer, quando tanto me cresce por dentro...
O indizível espuma-se no vento e o que fica rebenta na areia como uma onda no peito.
E eu que só procurava um silêncio partilhado...

Não chego a saber se este mar me entende...

17 de março de 2005

Sobre nada...

Assim pescador de deitar a rede, lançar o fio e esperar no brilho das águas o olhar.
Imaginar marginal ao sol da baía e boa viagem.
Ainda não me soam as horas do manso apetite e vou esperar que me pique um motivo para abrir o farnel.

11 de março de 2005

Margens

Oh que mudo grito de ânsia põe garras na Hora!
Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora!

Fernando Pessoa

E eu que sou dado a destemperos de memória acordo com as mãos sujas por ter andado toda a noite a escrever o teu nome nas paredes.
Aprendi com as garças o cheiro da terra lavrada e a dança dos salgueiros ao vento na beira do meu rio. Aprendi a contar nas margens e hoje voltei lá e derramei-me.

10 de março de 2005

Grave...

(...)
Não tenho explicações

Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
(...)
Sophia de Mello Breyner Andresen

Às vezes distraio-me e deixo-me sentir saudades... Assim como quem só repara nos atacadores desapertados por andar sempre a pisá-los e a tropeçar em tudo.
E hoje deu-me uma grande saudade de voar.

22 de fevereiro de 2005

Zê... de zarpar

Deste pendular alfa-beto antes que seja tarde e se mude o calendário.
Este contar vai fazer um ano um dia destes.
Acho que vou fazer aqui umas obras e pintar o barco...
Depois vou virar a proa para outros horizontes.

Xis... de Xalavar

Que é para apanhar tudo e até o que sopra no vento do Dilan.
Nunca entendi muito bem porque se diz, quando nos enfastiamos com qualquer coisa, «vou apanhar ar...». Muito melhor é apanhar gambuzinos em horário nobre porque nem tudo o que vem à net é trabalho.

Vê!... de Vejam bem que não há só gaivotas em terra

E quando um gajo se põe a pensar e a estender os pensamentos na praia e a tentar arrumá-los assim junto uns dos outros e a separá-los por cores e formas e depois vê que há sempre uns quantos que não se encaixam em sítio nenhum...
E nunca se sabe bem quem lá vem quando se dorme ao relento à espera de esperar que seja bem vindo quem vier por bem...
O que faz falta é gente madura a animar a praça e deixar as estátuas com o cu a arder.

E depois foi o vento e também as marés...

2 de fevereiro de 2005

Uuuuuh!... de Universo

Tudo num só verso. Infinito dizer. Croissant sempre inacabado de saberes. O aqui e o lá longe num ponto imenso. Tudo, em toda a parte. Sempre.

Estou à deriva no Universo.

25 de janeiro de 2005

Tê... de Tempo

Entro fora de tempo e falho o compasso porque as ondas não são todas iguais. Repetem-se de sete em sete, dizem, mas isso é só na aparência. Não sei como medir esse tempo de observação das ondas, apenas as posso contar. E, contador, conto passos, pássaros. Multiplico luas por marés. Elevo suspiros à potência dos ventos...

Estado do tempo:
Prevê-se tempo frio para amanhã.
Mas... Quando está frio no tempo do frio o Caeiro acha isso agradável por ser natural.
Só pode ser louco quem se arroja contra ventos e marés, seja em que rumo for. Inútil.


12 de janeiro de 2005

Esse... de Sagres

Eis – piaram-me as aves – o abismo sagrado!
E esvoaçaram lendas, inventadas na hora,

que falam de luas e poentes a namorar num solstício,
e dum vento insólito capaz de se deter no tempo exacto
de um beijo.

Vim em busca de outros segredos feiticeiros

e encontro-os impressos na falésia.
São grafitti de mar na demora do tempo.

Dizem-me que na nervura das marés
se escutam cantos berberes
encostando o ouvido às rochas.
E contam histórias de outros antigos guerreiros
que apenas tinham por bandeira
o livre caminhar.
Todos pararam aqui.

São claras as marcas

de um clã-destino convertido aos amores proibidos.

Encho o peito,

telúrico,
e sinto que a terra acaba ali.
Solto o olhar ao fio do horizonte
e sou tentado a ir com ele.
O perigo, são mesmo as sereias.

A melopeia encantatória atrai-nos ao abismo.
Deixou assim escrito na pedra,

um poeta peregrino que pensava ter chegado a Ítaca.

E o abismo é sagrado.

Gregório Salvaterra. Contador de gaivotas e poeta público (*)

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

(versão em inglês por Jill Gerrich)

Look – the birds call to me – the sacred abyss!
And they flutter and flap fables, invented on the spot, telling about moons and sunsets loving each other at a solstice, and an extraordinary wind which can stop just in the time it takes for a kiss.
I came in search of other bewitching secrets and I find them imprinted on the cliff. They are the sea’s grafitti with the passage of time. They tell me that Berber songs can be heard amongst the crashes of the waves by pressing one’s ear to the rocks. And they tell stories about other ancient warriors who only had to place the flag to walk free.
All had stopped here.
The marks of a secret convert to forbidden loves are clear.
I inhale deeply, telluric, and feel that Earth ends there. I shoot a glance at the line of the horizon and I am tempted to follow it.
The mermaids are the real danger. Their enchanting music draws us towards the abyss.
A pilgrim poet who thought he had arrived at Ithaca left this written on the stone.
And the abyss is sacred.

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Este texto foi publicado em 15 de Novembro de 2003, na revista Golfe a Sul (Dossiers Especiais ), suplemento do semanário EXPRESSO.


7 de janeiro de 2005

Erre (ou Rê)... de Revolução

Decidi que hoje era um bom dia para começar a Revolução.
Até porque está sol.
Sentei-me na esplanada e mandei vir
uma cerveja.
“E tremoços... Faxavor.”
“Não temos tremoços.”

Afinal ainda não estão criadas as condições para a Revolução.

Quê... de Quase


(...) quando vires um centauro acredita nos teus olhos, se uma rã escarnecer de ti atravessa o rio. Tudo são objectos. Quase.
José Saramago

Por pouco não me afoguei numa torrente de palavras clandestinas...

6 de janeiro de 2005

Pê... de Palavra-Pedra

Ao anoitecer brincamos às cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Alberto Caeiro


Ali na praia, virada ao sul da ilha, o sol de inverno riscava o espelho frio e rugoso. As ondas joeiravam roladinhos de lava cantante a milhares de vozes. Ainda não consegui convencer ninguém, mas tenho a certeza que ouvimos entoar o nome de alguém em quem pensemos, sobretudo se estivermos a sentir uma grande saudade. Está mesmo a dizer...
E quase me distraía do que estava laboriosamente a fazer. Escolher, entre tantos milhares, aquelas cinco pedrinhas que vou levar e que contarão esta estória por inteiro.