12 de novembro de 2004

Eme (ou Mê)... de Marejar

Há uma melodia infinita, como se fosse o respirar, ao fundo de todos os pensamentos. É nela que deles descanso, enquanto os deixo a brincar uns com os outros.
A maré de sizígia traz à costa outros dizeres como se de repente o mundo se combinasse em desgraças. É ali, no areal molhado, hoje mais amplo da vazante que sinto o sal das lágrimas. Em vão procuro os passos testemunhos de gritos e silêncios sofridos
.”

Começara assim, num dia seguido à grande lua (aquela que se pôs à sombra durante uma noite quase inteira) porque o mar também traz notícias infelizes. Mas as marés renovam-se e trazem também mapas e destinos de apetecer. Por isso, as melodias tornam-se brilhantes e ensaiam descantes com o pensar.
Deve ser por isso que gosto do mar...

Nota analfabética e completamente dentro do mar:
Um doce piar ao ouvido disse-me que chove há uma semana, lá onde a chuva é sempre festa.
Lembrei-me de uma canção do Sérgio que até parece ter sido escrita hoje.

Há quantos meses não chove
parece que nove parece que novembro
se chover nos três que resta
parece que há festa
parece que há festa

Beleza de Cabo Verde não se vê do avião
país que é novo tem sede
do que fazer com o pão
este socalco foi milho
e aquelas pedras, feijão
ensinava a mãe ao filho
repete o filho ao irmão

Há quantos meses não chove
parece que nove parece que novembro
se chover nos três que resta
parece que há festa
parece que há festa

Beleza de Cabo Verde
está na maneira de olhar
árvore que tinha sede
foi-se também emigrar
nela encostado, o emigrante
trinca do fruto da morna
não há nenhum que não cante
a vez em que à terra torna

Há quantos meses não chove
parece que nove parece que novembro
se chover nos três que resta
parece que há festa
parece que há festa

Beleza de Cabo Verde
está na razão de cantar
música não mata a sede
mas se pudesse matar
com água por melodia
e por batuque irrigado
verde, o verde nasceria
no solo sacrificado
Chuva já chove
já chuva choveu
vai chover já


(Sérgio Godinho)