22 de abril de 2015

Coisas do meu quintal

No meu quintal há um cágado responsável pelo inventário e pelo registo de presenças do melro e da passarada namoradeira. Fora isso é tudo horta poética. Horto-gráfica no desenho dos canteiros metafísicos e cronofágicos. Na vertical, o meu quintal é infinito e por isso, ele é maior do que o mundo.

Segui uma pista. Um sinal dos sinais da manhã do Fernando Alves e fui dar ao poeta Manoel de Barros, poeta esquecido de quem pouco mais conhecia do que o nome através do elogio de outro dos meus poetas - Carlos Drummond de Andrade.
Fiquei com a impressão de que o Manoel de Barros também visita o meu quintal. Vou reparar melhor.

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel Wenceslau Leite de Barros  (1916-2014), poeta da chamada Geração de 45 e formalmente enquadrado no pós-modernismo brasileiro (Wikipédia).