24 de abril de 2009

abril a brilhar


Sei onde estava no 25 de abril.

Liguei o rádio quando acordei, como fazia todos os dias e, em vez das notícias que ia ouvindo enquanto me despachava para ir para o liceu, só transmitiam marchas militares. Tinha na memória de uns anos antes a rádio também se ter calado e só transmitia música sacra; foi quando morreu o Salazar. A ideia imediata foi deve ter morrido algum gajo militar importante, talvez o Thomaz e continuei pelo pequeno almoço à pressa e a saída a correr porque a carreira do Manel Neto não esperava por atrasados.

O rádio do autocarro continuava a debitar músicas que lembravam filmes de marines e pontes do rio Kuai até que se ouve uma voz de alguém que não era seguramente locutor conhecido da rádio: aqui posto de comando do movimento das forças armadas... e tudo o mais que se conhece. Golpe militar, pensei. E pensei o pior. Pensei nas informações que corriam sobre uma certa oposição de extrema direita ao Marcello Caetano, ao que constava, liderado por Alpoim Galvão. Mas também pensei que se fossem esses, não se davam ao trabalho de recomendar calma à população e prometer que seríamos informados logo que a situação se normalizasse.

Quando entrei na aula já a professora Lília dançava a valsa com Heideggar ou Kant e eu a perguntar se alguém sabia o que se passava e ela a querer expulsar-me e eu a perguntar-lhe se ela não tinha nenhuma ideia melhor no momento em que estava em curso um golpe de estado em Portugal. A aula acabou logo ali e fomos todos, muitos, para a frente da Escola Prática de Cavalaria. Ninguém sabia que tinha sido precisamente dali que tinha saído a coluna militar comandada por Salgueiro Maia.


Depois começaram a chegar notícias e a gente a encher as ruas de riso e abraços e a gritar liberdade. E foi sempre isto que eu achei que era a revolução.


Páro aqui. Vou abraçar abril e o futuro.

23 de abril de 2009

Bomba relógio

Graças a invisível mão amiga, sentámo-nos há dias nos dois melhores lugares do CCB. Partilhámos, de mão dada, momentos extraordinários do espectáculo com a Cristina Branco. Confesso que sozinho talvez não fosse ver. Ficou-me sempre algum preconceito, eu sei, em relação ao fado, mas aqui até gostei de dois ou três fados.
O espectáculo, na base do último disco, Kronos, não é de fado. É música muito bem "esgalhada" e com alguns momentos verdadeiramente sublimes.
E nós ali, de mão dada, na primeira fila. E eu a fazer tremer a cadeira com o frémito da música. A trinta beats por beijo.
Há palavras que nos beijam porque são redondos vocábulos. O'Neil e Zeca na mesma voz. E também Sérgio Godinho.

o teu amor quando palpita
verdade seja dita
põe rastilho no meu peito
trinta batidas num só beijo
sem defeito

feito tac e tic
o teu amor rebenta o dique
feito tic e tac
o teu amor passa ao ataque
feito tac e tic
o teu amor rebenta o dique
feito tic e tac
eu à defesa ele ao ataque
e toca e foge e toca e foge
é uma bomba relógio

o teu amor quando palpita
verdade seja dita
faz-me atrasar os ponteiros
como a ostra esconde a pérola
aos viveiros
feito tac e tic
pérola solta-se a pique
feito tic e tac
faz-me o coração um baque
feito tac e tic
pérola solta-se a pique
feito tic e tac
faz-me o corpo todo um baque
e toca e foge e toca e foge
é uma bomba relógio


Bomba relógio (S. Godinho)
Canta: Cristina Branco

21 de abril de 2009

Pequenas indecisões


Andou mais de cinquenta anos hesitante entre ser poeta ou ser cientista.

Finalmente, decidiu tornar-se agricultor.

Vi-o hoje a arrancar umas couves que atrapalhavam o vemelho das papoilas.