19 de junho de 2012

Questões de tempo

Illiers-Combray                                                                                               Imagem daqui

À la recherche du temps perdu é um longo romance de Marcel Proust que nunca li e não sei se conseguirei ler alguma vez. Apesar de a tentação ser grande, estou mais capaz de seguir aquilo que julgo ser a própria sugestão proustiana: não me apetece perder tempo com tanta literatura.
Tudo isto porque venho de ler o livro de Alain de Botton, Como Proust pode mudar a sua vida, onde aquela obra é profusamente citada e comentada.
Um aspecto comentado por Botton relacionado com alguns sintomas de "leitor excessivamente reverente e dependente" é a atracção por visitar Illiers-Combray. Illiers era uma pequena povoação de pouco mais de três mil habitantes onde Proust passava férias de verão em criança e também algumas vezes na adolescência e que utilizou  como cenário ficcional no seu romance chamando-lhe Combray. Desde 1971 (centenário do nascimento de Proust), a cidadezinha chama-se oficialmente Illiers-Combray e tem adoptado uma espécie de folclore com elementos retirados do romance. Assim, é possível ver à porta da pâtisserie-confisserie, uma placa indicando "a casa onde a tia Léonie [personagem do romance] costumava comprar as suas madalenas". É claro que isto é bom para o negócio e os leitores-turistas não deixam de trazer uma embalagem das celebrizadas madalenas literárias.
Há dias, ouvi falar de um "efeito boomerang" a propósito de algumas tradições (neste caso as marchas populares de Lisboa) que parecem ter nascido ali, mas que na realidade vieram de um outro sítio ou foram criadas por alguém em determinado momento e com um propósito determinado e com o passar do tempo tornam-se ícones culturais de uma população. O exemplo talvez mais eloquente em Portugal é o que se passa com os chamados "ranchos folclóricos". Mais ou menos "desenhados" pelos ideólogos do Estado Novo e depois expontaneamente replicados, incorporando temas criados para o cinema ou para o teatro de revista, tornam-se verdadeiros representantes dos vários tipos de portugueses de acordo com a sua região: o vira é do Minho, o fandango do Ribatejo e o corridinho do Algarve, mesmo que seja aquele chamado 'bailo pulado' para mostrar os culottes da moda francesa do cabaret e do vaudeville.