29 de novembro de 2010

Austeridade viciosa

Eu não percebo nada de economia e, provavelmente muitos dos economistas que falam na televisão, escrevem nos jornais ou mandam bitaites partir do palácio de Belém, também não. Já aqui tinha perorado sobre esta ciência dever passar a chamar-se economância por, cada vez mais, em vez de basear as suas previsões em modelos científicos estar a socorrer-se de artes divinatórias e oráculos para tentar interpretar os misteriosos e insondáveis desígnios dos santos mercados. Pode ser. A alternativa não é muito melhor e também é bastante plausível. Haverá um exército de arautos a propagar todos mais ou menos as mesmas coisas, ainda que parecendo às vezes discordar, de forma a ocupar todo o espaço para que mais ninguém fale, apenas com o objectivo de nos entreter enquanto a «austeridade» se vai apurando? Ponho mesmo aqui um ponto de interrogação. Não tenho a certeza de que seja assim. Não percebo nada de economia, mas ao longo da vida fui aprendendo a ler alguns sinais e o que digo é por mera intuição. Afinal, não é assim tão diferente do que dizem os que estudaram para economistas.

Acho estranho que não apareçam nos meios "oficiais" da comunicação, vozes discordantes como esta. Ou então, alguém que defenda a verdade "oficial" com esta clareza.

Mark Blyth é professor de Economia Política Internacional na Brown University (Providence, EUA) e o seu currículo pode ser consultado aqui.

27 de novembro de 2010

Ciência rap



Fui lá por esta notícia e levei a filhota em tarde molhada mais ou menos a puxar para o sofá e televisão.
Este jovem autodesigna-se como science communicator e o que faz é falar de conceitos científicos de uma forma simples e eficaz, procurando sempre ir ao encontro dos códigos dos destinatários.
Começou por explicar o que faz utilizando apenas umas folhas A4 impressas e, apenas com isso, mostrou claramente que há várias formas de comunicar com uma plateia e que umas são mais eficazes que outras. Curiosa a forma como demonstrou que uma folha feita avião transporta a mensagem pelo ar num voo impreciso e mais ou menos aleatório e se for feita numa bola é atirada para mais longe e com maior precisão.
Depois cantou um rap a explicar o que acontece com a luz do sol: como chega à terra, o tempo que demora, a distância que percorre, os efeitos bons e maus, a importância para a vida na terra e para cada um de nós... Ele sabe que isto cantado em inglês rap é difícil de entender e repete, agora ao mesmo tempo que visualizamos um video com imagens , esquemas, animações sincronizadas com as palavras que canta. Já se percebe melhor, mas mesmo assim, inglês cantado em rap, custa mesmo a entender. Mas ouvindo as palavras, vendo as imagens e podendo ler as palavras que ele canta já se vais mais longe na compreensão. É o que ele faz: acrescenta legendas. Só faltou mesmo a tradução para português.
Num outro momento pediu que todos desenhassem o que julgavam ser um cientista. Depois de recolher as folhas pediu que levantasse o braço quem tinha desenhado com uma bata, com óculos, com barba... Muitos braços se levantaram para todas estas alternativas. Pergunta ainda quem desenhou um cientista velho, mulher, não europeu... Elucidadivo.

A menina parece que conseguiu entender muita coisa, treinou o ouvido para o inglês e gostou.
E eu também. Gostei de ir e de ir com ela. De fazermos isto juntos.

Desassossego

Cinco ésses sinuosos na mesma palavra. Um livro cheio de desassossego. Um filme cheio de palavras e tantos filmes lá dentro. Foi ontem no grande auditório da UAlg onde entrei supranumerário e só consegui sentar-me nas escadas. Um verdadeiro desassossego. Tudo por culpa de João Botelho e do Cineclube de Faro.

24 de novembro de 2010

Há filmes para ver de mão dada


A rapariga que me dá a mão e beijos no cinema sabe habitualmente ao que vai. E está sempre a levar-me para a sala escura. Desta vez foi na cidade da outra ria onde tinha que ir congressar e onde, por mero acaso estreou o fime-documentário José e Pilar. E digo por acaso, e não é por acaso, porque das 7 cidades onde o filme se exibe, todas são a norte do Tejo. Sobre filmes eu não sei escrever. Sobre o filme e as emoções ela já escreveu e muito bem, como sempre faz. E fiquei també a saber que outros o fizeram e faço eco do apelo para que se veja este fime. E para quem queira ter uma visão privilegiada como eu que o faça, se puder, de mão dada.



Como era de esperar de quem habitualmente troca os nomes às coisas e aos lugares, o filme passa a ser Pilar e José. Não é por distracção. É mesmo por feminismo imparavelmente ímpar.

Saímos do filme mais ou menos a concordar que seremos assim como uma espécie de palavra de ordem para escrever por aí nos muros: mais ateu que saramago e mais feminista que pilar. De mãos dadas.

23 de novembro de 2010

De como estes deuses modernos andam ainda mais loucos que os outros


Não se fala de outra coisa. Uma febre. Um delírio. Algo capaz de arrebatar as consciências e impor-lhe humildade, resignação e obediência. Todas as homilias em toda a parte e a toda a hora (apenas um parêntesis para assinalar um pequeno intervalo futebolístico em que Portugal derrotou a Espanha, mas aquilo era a caramelos de Badajoz e, por isso, não teve a jactância habitual - ou então estamos mesmo em crise), na televisão, nos jornais, em quilómetros de rádio. Só se fala dos mercados. Uns deuses modernos de quem ninguém conhece a cara que têm os seus caprichos, às vezes acordam nervosos e tal como os deuses tradicionais acabam sempre a descarregar as suas iras sobres os mais fracos. Ninguém sabe, ou ninguém explica, bem o que são os mercados, o que fazem, onde moram - deve haver quem creia que habitam os céus da economia global - e poucos se atrevem a nomear os seus verdadeiros bispos, apesar dos muitos sacerdotes conhecidos não se cansarem de profetizar sobre as vontades dos deuses. Ainda há dias o oráculo de Belém iluminou Obama sobre os destinos da economia portuguesa e o homem lá foi tranquilo. Resta saber se a taróloga Maya o o professor Mambo usando outras abordagens da trancendência não fariam exactamente o mesmo (uma situação para a ciência estudar). É
que com este PSEC (processo de sacralização em curso) a economia enquanto disciplina do saber ficaria melhor com o nome de Economância.
Na antiguidade as pessoas acreditavam em inúmeros deuses e alimentavam o poder dos seus sacerdotes com oferendas e obediência. Depois os múltiplos deuses foram perdendo a sua importância e a maior parte do mundo ficou dominada por três ou quatro religiões, uma espécie de grupo económico de um só deus. Estas religiões ainda têm muito poder sobre as pessoas no mundo, mas muito menos do que tinham e, tirando aquelas regiões em que o poder religioso se confunde com o poder do estado, já pouco condicionam a vida dos cidadãos. E isto porque já há muita gente que não é crente e já percebeu toda a patranha em que assentam todas as religiões. O papa pode falar contra o uso do preservativo. Os movimentos civis continuaram a combatê-lo e o coitado não teve outro remédio a não ser capitular e já acabou a admitir que em certas circunstâncias vá lá então... (quanto às circunstâncias, ainda não disse, mas lá chegará, que o uso do preservativo embora tolerado é uma espécie de via verde para o inferno, mas isso é cada um que escolhe porque deus nos concedeu esse dom na sua imensa bondade) o que só demonstra que a força destas forças está apenas na importância que lhes damos.
Com os ditos mercados é mais ou menos o mesmo. A sua força vem do medo que causam. No dia em que toda a gente se estiver nas tintas para a liturgia que nos entra pelos dias dentro sob a forma de notícias, análises, comentários, debates, os deuses começam a cair. Afinal, têm todos pés de barro.
ps: Acabei de ouvir que a Brisa com as portagens de autopagamento já despediu uma data de funcionários e se prepara para mais acordos de despedimento. Era o que se previa. Já passei por uma dessas e apeteceu-me avariar a máquina. Ainda por cima, em algumas portagens só há uma ou duas saídas e rapidamente se forma uma fila. São os automobilistas que se pressionam uns aos outros. A Brisa deve ter estudado estes comportamentos e não precisa de fazer nada. A alternativa é "aderir" à via verde, ou seja, poupar ainda mais a intervenção humana porque tudo se processa automaticamente.

14 de novembro de 2010

Cimeira danato

Imagem laboriosamente roubada e publicada sem autorização daqui.

Na próxima semana os Natívos reúnem-se em Lisboa, mais propriamente, no Parque das Nações num sítio que ainda não percebi bem onde era porque andam a guardar segredo, mas alguns dizem que é na sumit, outros na cumbre, mas pelo que percebi é mais na parte cimeira. Na ciumeira. Ou se quiserem, em inglês, na see you, meira... se é que estão a perceber.
E o que é que eles vão fazer de facto? Na realidade ninguém sabe. Está em segredo de justiça. Por isso podemos afirmar, sem qualquer margem para erro, que vêm disputar o campeonato mundial de paintball, uma modalidade em pleno desenvolvimento no âmbito da estratégia político-militar/religiosa a nível global.
Na imagem, gentilmente cedida pelos serviços mais-que-secretos (de porco preto), podem ver-se já devidamente equipados Sócrates e Sarkozy, este último facilmente reconhecível na foto por estar em bicos de pés.
No final da prova parece que há frangos assados para todos e distribuição de gravatas de cortiça aos capitães de cada equipa.

11 de novembro de 2010

São Martinho

Não me lembro bem se tive uma colega de liceu chamada Conceição Martinho ou se a inventei assim chamada porque me dava jeito cantar-lhe uma canção. É claro que toda a gente a tratava por São Martinho. Só nos encontrávamos na aula de Ciências ou Biologia porque ela era de outra turma e já não sei porquê tinha aquela disciplina na minha. Nunca tivemos grande relação e terão sido raras as vezes que nos vimos fora das aulas, mas pelo menos nas duas vezes por semana que nos juntávamos na aula cruzámos um olhar cúmplice que transportava dizeres nunca verbalizados. Ficámos sempre nesse entendimento doce e mudo. O seu olhar era sempre triste e sereno apenas com um leve sinal na comissura dos lábios como que a dizer sei que me estás a ver. Um dia a professora advertiu-me e ainda fui a tempo de me ouvir a trautear a música. Para mim estaria apenas a cantar mentalmente enquanto recriava a letra em português:
São Martinho
Como a vida é fácil
Saltam peixes
Dos teus olhos de algodão
Tens um pai rico
E uma mãe bonita
Por isso, minha linda
Não chores não


Coisas dos 17 anos...
Durante algum tempo associei esta cantiguita às festas de S. Martinho pelas adegas dos pais dos meus amigos para depois me esquecer dela completamente.
Hoje, 11 de Novembro, tradicionalmente conhecido como dia de S. Martinho padroeiro das castanhas, água pé e geropiga - que santíssima trindade!... - (sendo que na minha terra não há confusão nenhuma com a grafia de geropiga: escreve-se mesmo vinho abafado), pois hoje dia de S. Martinho, enquanto caminhava de pasta na mão dei por mim a cantar isto e a visitar estas memórias. Só não tenho a certeza se apelido da São era verdadeiro ou inventado por mim.

9 de novembro de 2010

Os dias de outono...

Este outono meridional escava nostalgias nas horas. O cinza de nuvens carregadas alterna com o brilho do sol e soltam-se da terra todos os cheiros da chuva. O Mezzo vai-me dando a banda sonora a esta verde e breve paisagem. Dia de trabalhar em casa.