Não se fala de outra coisa. Uma febre. Um delírio. Algo capaz de arrebatar as consciências e impor-lhe humildade, resignação e obediência. Todas as homilias em toda a parte e a toda a hora (apenas um parêntesis para assinalar um pequeno intervalo futebolístico em que Portugal derrotou a Espanha, mas aquilo era a caramelos de Badajoz e, por isso, não teve a jactância habitual - ou então estamos mesmo em crise), na televisão, nos jornais, em quilómetros de rádio. Só se fala dos mercados. Uns deuses modernos de quem ninguém conhece a cara que têm os seus caprichos, às vezes acordam nervosos e tal como os deuses tradicionais acabam sempre a descarregar as suas iras sobres os mais fracos. Ninguém sabe, ou ninguém explica, bem o que são os mercados, o que fazem, onde moram - deve haver quem creia que habitam os céus da economia global - e poucos se atrevem a nomear os seus verdadeiros bispos, apesar dos muitos sacerdotes conhecidos não se cansarem de profetizar sobre as vontades dos deuses. Ainda há dias o oráculo de Belém iluminou Obama sobre os destinos da economia portuguesa e o homem lá foi tranquilo. Resta saber se a taróloga Maya o o professor Mambo usando outras abordagens da trancendência não fariam exactamente o mesmo (uma situação para a ciência estudar). É
que com este PSEC (processo de sacralização em curso) a economia enquanto disciplina do saber ficaria melhor com o nome de Economância.
Na antiguidade as pessoas acreditavam em inúmeros deuses e alimentavam o poder dos seus sacerdotes com oferendas e obediência. Depois os múltiplos deuses foram perdendo a sua importância e a maior parte do mundo ficou dominada por três ou quatro religiões, uma espécie de grupo económico de um só deus. Estas religiões ainda têm muito poder sobre as pessoas no mundo, mas muito menos do que tinham e, tirando aquelas regiões em que o poder religioso se confunde com o poder do estado, já pouco condicionam a vida dos cidadãos. E isto porque já há muita gente que não é crente e já percebeu toda a patranha em que assentam todas as religiões. O papa pode falar contra o uso do preservativo. Os movimentos civis continuaram a combatê-lo e o coitado não teve outro remédio a não ser capitular e já acabou a admitir que em certas circunstâncias vá lá então... (quanto às circunstâncias, ainda não disse, mas lá chegará, que o uso do preservativo embora tolerado é uma espécie de via verde para o inferno, mas isso é cada um que escolhe porque deus nos concedeu esse dom na sua imensa bondade) o que só demonstra que a força destas forças está apenas na importância que lhes damos.
Com os ditos mercados é mais ou menos o mesmo. A sua força vem do medo que causam. No dia em que toda a gente se estiver nas tintas para a liturgia que nos entra pelos dias dentro sob a forma de notícias, análises, comentários, debates, os deuses começam a cair. Afinal, têm todos pés de barro.
ps: Acabei de ouvir que a Brisa com as portagens de autopagamento já despediu uma data de funcionários e se prepara para mais acordos de despedimento. Era o que se previa. Já passei por uma dessas e apeteceu-me avariar a máquina. Ainda por cima, em algumas portagens só há uma ou duas saídas e rapidamente se forma uma fila. São os automobilistas que se pressionam uns aos outros. A Brisa deve ter estudado estes comportamentos e não precisa de fazer nada. A alternativa é "aderir" à via verde, ou seja, poupar ainda mais a intervenção humana porque tudo se processa automaticamente.
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