18 de setembro de 2013

A Praia I

N minha terra não havia mar. Pelo menos para mim. Sabia do Carril e do Toco onde as mães iam lavar e isso era uma verdadeira praia com juncos e espadanas e peixinhos pequeninos à nossa volta. Ouvia falar da praia. Que tinha areia. E na minha imaginação aparecia um enorme monte de areia, muito maior do que aquele que uma camioneta tinha descarregado em frente da casa do Ti Paulino, para fazer obras, e onde eu me deliciava a brincar. Claro que isso me custou umas duas palmadas no rabo que a minha mãe era célere em questões de justiça que administrava logo ali à frente do queixoso de que eu tinha espalhado a areia toda. Alma danada, acrescentava o nosso vizinho com ar zangado. Hoje penso que fazia aquilo para que se parecesse mais com uma praia que eu nunca tinha visto. A minha tia, irmã do meu pai, casara-se com um pintor da construção civil que também era ciclista. Livre dos preparativos das vindimas e da venda dos melões e também por já ser um bocadinho rica, começou a ir todos os anos à praia. Juntava-se com uma amiga e iam as duas à Nazaré alugar uma casa para quinze dias, para as duas famílias. Nazaré era palavra que não se pronunciava por ser desnecessária. Toda a gente se entendia apenas com o nome Praia. A primeira vez que fui à praia teria pouco mais de três anos. Dizem que não temos memórias de antes dos quatro, mas não acreditem. Apanhava-se a camioneta dos Claras, isso soube mais tarde, e lembro-me do cheiro que exalava dos bancos e que me agoniava. Eu forte como era e com o entusiasmo de ir para a praia, aguentava, enquanto o Raimundo, a meu lado, já tinha vomitado pelo menos duas vezes para uma toalha. Aquilo cheirava quase tão mal como todo interior da camioneta, mas alguém abriu o vidro e a coisa melhorou. O Raimundo, mais velho que eu, um ano ou dois, olhava para mim, verde e quase a revirar os olhos. Empoleirado no banco conseguia saborear o ar na cara e o cheiro dos pinhais. Um ronco mais intenso do motor, uma subida, um ligeiro tombo no início de descida e uma explosão de vozes exclamativas. Parecia-me ouvir “o Mário… o Mário!”. Eu conhecia dois Mários. Um era o barbeiro onde o meu pai ia ler o jornal e outro era um vizinho que andava sempre de fato-macaco azul e sujo de óleo porque andava numa oficina a aprender o ofício. Bem rodava a cabeça, mas não consegui reconhecer em nenhuma das caras, um desses Mários. Pouco depois e sempre a descer entrámos casario dentro por ruas onde andava muita gente a pé e um cheiro esquisito no ar. Tínhamos chegado à Praia e eu nem sabia que havia mar.

4 de abril de 2013

A monção de Sençura

Apreceu um tal miguel de mão dada com outro de igual nome com um discurso a lembrar salazarentos aforismos do tipo Eu não percebo nada de política A minha política é o trabalho
Todos sabemos é bom haver chuva no nabal e que ainda é cedo para o sol na eira e cestos de vindima E tem chovido bem e tanto nesta monção primaveril que só falta mesmo uma delibração de santa bárbara para um despacho trovejante Já não há gaivotas em assembleia apesar dos temporais Os corvos negros tornaram-se intemporais e nem mesmo uma ave de arribação é capaz de trazer um rasgo de primavera
Há um país cativo numa espécie de síndroma de estocolmo que aguenta aguenta de estocada em estocada até á sangria final
E a política E a esquerda E a oposição
Ainda não vi ninguém preso Por isso não existem
É primavera pá Continua a chover