20 de novembro de 2008

Coisas do amor na boca dos poetas


Entraste na casa do meu corpo,
desarrumaste as salas todas
e já não sei quem sou, onde estou.
O amor sabe. O amor é um pássaro cego
que nunca se perde no seu voo.

Casimiro de Brito. Intensidades. 1995




Ontem na Biblioteca Municipal António Ramos Rosa - Sessão comemorativa dos 50 anos de vida literária de dois poetas por aqui nascidos ou crescidos. António Ramos Rosa e Casimiro de Brito.
Lançamento do livro de Casimiro de Brito, 69 Poemas de amor, apresentado por José Carlos Barros, leitura de poemas de Casimiro de Brito e de António Ramos Rosa pelo Afonso Dias e pela Tânia e apontamentos sobre a vida e a obra de Ramos Rosa, pelo Casimiro de Brito.
Confesso que conheço melhor e continuo a apreciar mais o Ramos Rosa, no entanto este livro surpreendeu-me muito positivamente. Contém 69 poemas, uns catados ao longo de toda a obra poética ( o primeiro data de 1957) e mais uns quantos inéditos. Percorrem o tema do amor do romantismo juvenil ao amor dos corpos na relva orvalhada. Um amor ao amor que se cresce vida e viagem que nunca acaba e se aproxima da morte nunca definitiva.
Neste livro, gosto particularmente dos Haiku como este:
Não grites, amor-
deixa-me escutar os teus rios
subterrâneos
(Eros mínimo -inédito)

Uma palavra ainda para a novíssima editora algarvia 4´guas (é assim mesmo que se escreve), um projecto de carolice que pretende subsidiar as edições de poesia com a venda da alfarroba da propriedade de um dos sócios. Sempre deve ser mais seguro que as fontes de financiamento da Byblos.

18 de novembro de 2008

Avaliação


Parece que já há um ministro avaliado e sem grandes burocracias.

livreiros entre outras coisas (III)

Há um amor comum a papéis pintados com tinta que às vezes nos leva para dentro de casas com cheiro a estórias e viagens escritas nas prateleiras. Procurávamos o último livro do Carlos Ruiz Zafón que tu nas tuas prodigiosas sínteses já chamavas a Sombra do Anjo e entrámos naquela perigosa livraria sobre a qual já aqui escrevi por duas vezes. Aquele caos é sedutor e apetece-nos ficar ali a remexer e a descobrir coisas que provavelmente já não existem noutros sítios. Os livros têm o preço escrito a lápis no canto da primeira folha e não têm aquelas etiquetas colantes com código de barras. E depois é uma livraria com um livreiro lá dentro que tem sempre uma história para contar, um comentário, uma reflexão sobre o mundo e a vida.
É impossível ir lá e não me lembrar com saudades de um outro livreiro e uma outra livraria que frequentei durante anos, na minha adolescência em Santarém. A Livraria Apolo do Manuel Castela era, pelos anos 70, uma verdadeira Escola-ATL- Sala de Estudo- AfterAulas para um vasto grupo de jovens que gostavam de livros, de música, de tertúlia e de aprender com os mais velhos. A maior parte de nós não tinha dinheiro para comprar livros ou discos, mas passávamos lá tardes inteiras a ler, a ouvir música, ou simplesmente a conversar. O Castela era assim uma espécie de tio da malta e deixava-nos ler os livros sabendo que não os iríamos comprar. E conversava connosco, e fazia perguntas sobre o que líamos e ia buscar outro e aconselhava a leitura. De vez em quando queixava-se de que alguém tinha roubado (acho que ele dizia levado) um livro, mas até parecia encarar isso como uma espécie de taxa para a elevação cultural. Pior era quando a Pide passava por lá e apreendia livros «comunistas» e discos do Zeca e outros revolucionários; aí ficava fulo e praguejava o dia todo.
O Castela morreu há cerca de 25 anos. Não sei se aquela cidade lhe fez alguma homenagem. Mas, se não fez, devia. Também eu lhe devo boa parte do gosto pelos livros, do gosto musical e do desejo de saber.
Para a memória.

4 de novembro de 2008

Sonhâmbulo


Depois de te ler lembrei-me de ter tido um sonho semelhante. Nele, interrogava-me se um país tão poderoso, capaz de armar uma guerra em qualquer parte do mundo, capaz de exportar para todo o planeta uma cultura de violência, de consumo exacerbado, mas também algum do bom cinema e muita da grande música jazz, não seria também capaz de promover a paz (de forma pacífica, entenda-se) no mundo e, usando da mesma ingerência com que derruba governos democraticamente eleitos e provoca golpes de estado, ajudar a combater o estado crónico de fome, sofrimento e doença. E tenho andado com esse sonho assim de um lado para o outro a desdobrá-lo e a tentar perceber nos seus interstícios se isso depende da eleição de um homem, ou daquele homem que nos parece simpático e autenticamente bem intencionado.

Eu não sou americano e não consigo saber se Obama é melhor que McCain. E não sei se, quando fora dos EUA, toda a gente votaria em Obama o faz porque ele é o melhor para o mundo ou para os Estados Unidos da América.

Se eu vivesse lá provavelmente não escolheria nenhum. Para os meus padrões, representam ambos a direita conservadora, por mais que se pintem de mudança progressista.

Para um hipotético (ou talvez nem tanto) governo do mundo, preferiria à partida que não fosse americano (preconceito meu certamente derivado de um antiamericanismo primário).

Mas voltemos a Obama (que a esta hora já deve saber quantos lugares tem no colégio eleitoral) e à esperança que nos faz entrar em casa à hora dos telejornais. Não me parece nada que ele tenha esse sonho. Acho que essa parte funciona apenas para nós, europeus. Para a maior parte dos americanos que votam nele o que funciona é o american dream: um indivíduo que vem de baixo, sobe a pulso e chega ao topo. Por mim não acho nada mal e aplaudo quem consegue demonstrar que é possível tornar esse sonho realidade, através do trabalho, do estudo, da persistência e não porque (à portuguesa) lhe sai o euromilhões ou tem relações privilegiadas com o poder e isso lhe abre as portas para negócios fabulosos com o estado (o que é mais ou menos a mesma coisa, mas aqui com maior probabilidade de ganhar).
Let´s call the whole thing off.