12 de janeiro de 2005

Esse... de Sagres

Eis – piaram-me as aves – o abismo sagrado!
E esvoaçaram lendas, inventadas na hora,

que falam de luas e poentes a namorar num solstício,
e dum vento insólito capaz de se deter no tempo exacto
de um beijo.

Vim em busca de outros segredos feiticeiros

e encontro-os impressos na falésia.
São grafitti de mar na demora do tempo.

Dizem-me que na nervura das marés
se escutam cantos berberes
encostando o ouvido às rochas.
E contam histórias de outros antigos guerreiros
que apenas tinham por bandeira
o livre caminhar.
Todos pararam aqui.

São claras as marcas

de um clã-destino convertido aos amores proibidos.

Encho o peito,

telúrico,
e sinto que a terra acaba ali.
Solto o olhar ao fio do horizonte
e sou tentado a ir com ele.
O perigo, são mesmo as sereias.

A melopeia encantatória atrai-nos ao abismo.
Deixou assim escrito na pedra,

um poeta peregrino que pensava ter chegado a Ítaca.

E o abismo é sagrado.

Gregório Salvaterra. Contador de gaivotas e poeta público (*)

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(versão em inglês por Jill Gerrich)

Look – the birds call to me – the sacred abyss!
And they flutter and flap fables, invented on the spot, telling about moons and sunsets loving each other at a solstice, and an extraordinary wind which can stop just in the time it takes for a kiss.
I came in search of other bewitching secrets and I find them imprinted on the cliff. They are the sea’s grafitti with the passage of time. They tell me that Berber songs can be heard amongst the crashes of the waves by pressing one’s ear to the rocks. And they tell stories about other ancient warriors who only had to place the flag to walk free.
All had stopped here.
The marks of a secret convert to forbidden loves are clear.
I inhale deeply, telluric, and feel that Earth ends there. I shoot a glance at the line of the horizon and I am tempted to follow it.
The mermaids are the real danger. Their enchanting music draws us towards the abyss.
A pilgrim poet who thought he had arrived at Ithaca left this written on the stone.
And the abyss is sacred.

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Este texto foi publicado em 15 de Novembro de 2003, na revista Golfe a Sul (Dossiers Especiais ), suplemento do semanário EXPRESSO.


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