5 de junho de 2008

Teatro de roda

Parece que foi ontem. Começa assim o post do meu amigo HFR que sem ele saber me conduziu a uma viagem para trás e para a frente e a encontrar-me com amigos que fui mantendo desde aí e com outros que por motivos vários lhes fui perdendo a presença , mas não a memória.

Também eu passei pelo Teatro Laboratório de Faro. Tinha feito o primeiro curso logo em 1981/82 e era, simultaneamente "actor estagiário" na companhia. Percorremos o Algarve a fazer a "Alice no país das maravilhas" com cenários e adereços às costas desde Aljezur a Vila Real de Santo António, passando pela ilha da Culatra (muito antes de ter sido descoberta pela Olga Roriz). E quando digo, às costas, não é figura de estilo. Era mesmo a carregar. E a Isabel Pereira já tão grávida naquele verão tão quente. Depois foi o "Pic Nic" do Arrabal onde fui substituir o Zé Ananias e fazia de soldado acompanhado pelo "inimigo" Pedro Rosado visitado pelos pais Zé Louro e Isabel Pereira na frente de combate. O desempenho era seguramente melhor nos happenings que na peça, mas pronto.

No meio disto tudo lembrei-me da Veva que foi para a Comuna e depois disso só a vi uma ou duas vezes em faro e em Lisboa, assim por acaso. Lembrei-me dela, há dias também por outras conversas com a minha rapariga, sobre a Comuna e sabia que tinha feito uns coros com o José Mário Branco.
Descobri, numa rápida pesquisa que a moça anda aí com imensos projectos para crianças e não só.



Associo-me também aos parabéns pelos 25 anos do Teatro Análise da Casa da Cultura de Loulé.

Um forte abraço.

30 de maio de 2008

Isto está cada vez mais criativo


Imagem gamada à prima isabel troll e tal
Ah pois é


26 de maio de 2008



Imagem sacada sem autorização do Jumento


Há muito que não abasteço na GALP, na BP nem na REPSOL. Só mesmo em último caso.
Só por curiosidade. A GALP vende mais barato em Espanha. Para quem gostar muito.

20 de maio de 2008

Os TICs do presidente (ou os bons exemplos)


Sua excelência adora roteiros e bons exemplos e novas tecnologias e acho que lhe fica muito bem. Assim, sua excelência de vez em quando sai em roteiro à volta de um tema e procura chamar a atenção para os bons exemplos e desta vez parece que os bons exemplos vinham de uma escola da Caparica, com a qual sua excelência parece que comunicava por videoconferência. Não tenho a certeza se assim era; ouvi na rádio enquanto conduzia e não encontrei outras referências ao assunto. E ouvia-se sua excelência falando com um aluno: Então já foste à praia? disparou com um sorriso pendurado ao canto da boca como se fosse uma beata apagada. Perante tão interessante pergunta, o aluno apenas consegiu responder: Já... E o presidente ainda insiste com relevantes questões que procuravam certamente indagar se o aluno tinha desenvolvido poder de observação se detinha o conhecimento aferido, se sabia se o mar tinha muitas ondas e, o que seria revelador de um elevado sentido de excelência, quantas. Mas isso já não consegui ouvir porque a voz off do jornalista já anunciava a chegada do João que passa então a ouvir-se: Eu sou o João, disse sem que a voz lhe doesse, e queria saber o que pode fazer pelo nosso país. Sua excelência mastiga um curto silêncio, apenas o tempo de passar o sorriso para o outro canto da boca e trauteia a resposta nitidamente semitonado: Bom... isso é.... uma pergunta a que é muuuuuuuuuito (assim mesmo) difícil responder. Convenhamos que a pergunta não era fácil e, tratando-se de sua excelência até poderia justificar que se invocasse o «direito» de reserva, mas c'os diabos! O moço até nem estava a filmar com o telemóvel, nem disse ó velho, nem meu, nem cota. Nem perguntou porque é que ele tanto se agachou ao Jardim na Madeira, porque é que não tem opinião sobre coisa nenhuma, porque quando é confrontado fala na terceira pessoa como se fosse o Jardel, enfim... Talvez o rapaz devesse apenas perguntar se a amêndoa promete este ano em Boliqueime. Se está a pensar investir no biocombustível à base de alfarroba, mas parece que este jovem não é muito virado para a economia. Está apenas preocupado com o estado do país e com o futuro.

Esta história deixou-me a pensar no contributo que as crianças podiam dar à política. Em vez de jornalistas e grandentrevisteiros e mesaredondistas profissionais seria bom era pôr apenas as crianças a fazer perguntas aos que se querem fazer eleger. As crianças não votam, mas nada os impede de fazer perguntas.

Mas sua excelência tem outro caso com jovens adolescentes de uma escola, quando era primeiro ministro. Vi-a a reportagem recuperada por Júlio Machado Vaz, acho que na primeira série do Sexo dos Anjos, a que passava a horas decentes. Sua excelência visita uma escola que incluia contacto com os alunos. Nenhum político resiste à moldura das crianças que tão bem fica na televisão. Duas alunas entrevistam sua excelência, uma outra regista em vídeo. Senhor primeiro ministro, com tantos afazeres que dá governar o país, ainda tem tempo para o amor? Aqui ainda foi pior do que com o João. Sua excelência tem um esgar meio sorridente, os olhos procuram qualquer referência na memória. O amor..., a gente quase o ouve a pensar, eu dei isso... mas em que ano? em que manual? E a resposta lá vem. Bom... sabem?... Não são agora duas fedelhas, com perguntas manhosas, muito provavelmente industriadas pelos pais que atrapalharão sua excelência que a esta hora já nem sabe muito bem o que lhe perguntaram. Ainda me acho um homem jovem e, de certa forma atraente para as mulheres... E o resto foram sorrisos e subentendidos, como quem diz: Se acham que eu estou arrumado do ponto de vista sexual estão muito enganadas; vão lá dizer aos vossos pais que aqui o je ainda se sente muito homem e capaz de romper meias solas ou de pintar a manta como quem decora o valor do PIB. O que é que julgam?

Isto é que são bons exemplos que as TIC nos permitem ver. No tempo do Tomás e da dona Xtrudes os exemplos só eram conhecidos através de anedotas contadas baixinho.

21 de abril de 2008

Abrilosto


Imagem da Agenda Cultural de Faro*


Ele há meses assim. É pena porque Abril é Abril. Sempre.

Há muito tempo aprendi com o Boris um certo jogo dos meses e logo me pus a inventar, entre brumários e semeadores, meses de quinze dias e duas semanas consoante as luas.
De Janarço a Febrosto podem decorrer apenas três marés e dois dias de chuva miudinha, por exemplo. O natal é em Dezembrulho por via das prendas e o mês de todos os encantos é mesmo o Setembraio.

E tudo isto como forma airosa de não falar do turismo sénior na Madeira. Para não ficarmos mais encavacados com senhor que só traz bom tempo amais a sua dilecta senhora que não gosta de números. O que lembra um outro divertido casal que na primeira vez que lá foi, depois da última em que lá tinha estado, fez idêntica figura, aquando da inauguração do chafariz no largo da igreja.
Mas isso foi antes de Abril.

*O 31 de Abril foi descoberto pela Sofia

17 de abril de 2008

Paradoxos



MUPI = Mobiliário Urbano Publicitário Informativo

Esta mobília não se mexe porque está agarrada ao chão.
Ocupa mais de metade do passeio.
Tapa a visibilidade nos cruzamentos.
São uma verdadeira praga urbana.
Deviam informar a quem é que a gente se queixa disto.
Já agora

14 de abril de 2008

Primavera. A verdadeira. A primeira

Hoje acho que fui mesmo à primavera.
Uma segunda feira de primeira.
Afinal, não é preciso muito para se ser feliz.

Há muitas razões para achar estranhos os homens que apanham conchas. Li um dia.
O seu pensamento parece muitas vezes ser tão consistente como o desenho das ondas ou as pegadas que deixam na maré baixa. Mas isso deve ser do desejo constante de voar.
Depois misturam o cheiro da maresia com o da cama de estevas e espalham esse aroma pelos caminhos. E vão.

10 de abril de 2008

Madrugadas de chuva

Acordo frequentemente com o vento nas persianas e dos silvos da avenida molhada.
Vou até ao outro lado da cama colher um abraço que não mora ali.
No entanto, jurava que tinha sentido o teu respirar no meu ombro.
Volto a adormecer como se nos tivéssemos beijado.

3 de abril de 2008

Os dias assim

São de acordar cedo e imaginar uma primavera de pele.
É a luz que vai perdoando as saudades quando a ausência já doi.

28 de março de 2008

Para não dizerem que não falei das flores


Imagem do Barlavento
As flores eram jacintos assim chamados a um ramo de rosas à espera de um casal numa loja de bolos e outro à beira mar à espera do outro casal que tinha um ramo de rosas à espera a que os cinco narradores insistiam em chamar jacintos.
À saída o Sérgio perguntava-me o que tinha eu retirado daquilo. Eu não sabia o que responder, mas levado pelo mesmo espírito da peça, saiu-me mais ou menos o que retiro de um quadro da Kandinsky, mas pronto, nem sei se era isto que eu achava.
Agora with flowers di-lo-ei assim uma espécie de cruzamento híbrido entre minimal repetitiva e pop art sobre o antitexto de uma short story. O texto em português e inglês até podia ser em chinês, desde que bem dito como foi, porque as palavras são música para sucessivas coreografias e movimentos cenográficos e de luz de grande beleza.
Depois, para acabar nada melhor que uma cena de free huggs capaz de contaminar o público.
Isto é para não dizerem que...

27 de março de 2008

AmoTeAtro

Descobri o teatro na infância a brincar no quintal da minha casa. Fiquei muitas vezes sozinho em casa durante as manhãs enquanto os meus pais se levantavam cedo para ir ao campo apanhar ou milho ou as favas ou a aveia que eram géneros que tinham que ser carregados antes do sol nascer para que não caíssem os grãos pelo caminho antes da debulha. Eu ficava a dormir e levantava-me e comia e brincava por ali apenas sob a vigilância de uma prima vizinha que escutava os meus passos e gestos do outro lado do muro que separava os dois páteos. Os brinquedos e outros entreténs eram poucos e muito rudimentares e assim sobrava muito para a invenção e a imaginação. Nunca me senti sozinho. Inventava personagens ou simplesmente reproduzia cenas que presenciava. Outras vezes aprumava um pau no chão com uma batata espetada a fazer de microfone e cantava as cantigas que ouvia ou inventava. Tudo isto para um generoso público constituído por um monte de abóboras ou por meia dúzia de vasos de flores (adorava aquela hortência enorme, junto à parede), para além da vizinha-prima que tinha uma monitorização permanente do meu estar sem sair de casa.
Mais tarde, na adolescência voltei a descobrir o teatro e aí era já amor e amador e combate. Valeu uma advertência do comandante da GNR, uma ficha na PIDE, mas o que ficou mesmo foi a experiência de um viver colectivo da construção de uma forma de expressão artística e de dizer algumas coisas que não podiam ser ditas de outra forma.
Depois seguiu-se uma experiência semiprofissional e uma outra aprendizagem. Contactei com pessoas que sabiam muito e tinham uma formação e experiência diferente. Talvez não tenha aprendido o suficiente ou achado em mim bastante talento e deixei que vida me fizesse seguir outro rumo. Mas o "bichinho", como todos dizem, ficou cá e sempre que vou ao teatro passeio-me pelo palco entre os actores, aproprio-me das "deixas" e antecipo as "falas" na minha cabeça.

Hoje, dia mundial do Teatro, vou dizê-lo com flores:


4 de março de 2008

Anni Versarium

O Contador de Gaivotas faz hoje quatro anos.
Foi criado, sem querer pelo Gregório Salvaterra porque embora seja um ser de existência duvidosa tem a mania de espreitar todas as portas e seguir por todos os caminhos especialmente aqueles que não têm placa indicadora. Assim do tipo "Algures: tantos km".
Um dia disse-me: Isto aqui é tudo a fingir Finjo que sou poeta ou político ou comediante e às vezes até finjo que sou eu próprio com os meus sentimentos e as minhas paixões Isto de fingir dá um trabalho do caraças Fica aqui e toma conta do contador Eu vou com as aves
E terminou mais ou menos assim a fingir que era o Eugénio.

27 de fevereiro de 2008

Viagens





Havia um sonho antigo à espera e assim vieste e depois abriste a porta e voámos juntos.
Obrigado

25 de fevereiro de 2008

Tanto mar para escrever


Dizem que na Preguiça não cai uma gota de chuva vai para dois anos. Por toda a ilha, os leitos das ribeiras são habitados por pedras secas e trilhos de cabras. As ubíquas acácias dançam dengosas, braços estendidos como quem tenta agarrar o vento. Os penedos parecem ecoar permanentemente o balanço de uma morna. Quente. E triste quanto baste.
Eu que já ouvi muita música, escutei-a, julgo que pela primeira vez, trauteada baixinho pelo Carlos, na Ribeira Prata, a caminho da "Rotcha 'Scribida". Subíamos por um trilho ao lado de um trapiche, onde também se destilava grogue. Voltei a ouvi-la dois dias depois na tocatina da 'Stancha. Continua-me no ouvido.
Fui procurá-la aqui pelos tubos das redes e saiu-me muito melhor que a encomenda. São quase sete minutos de puro sonho, a maior parte deles capazes de provocar chuva no Monte Gordo e Caleijão.

Vale a pena ouvir esta morna. Cesária e Paulino Vieira em Paris, 1995.

7 de fevereiro de 2008

Aprender a contar

Uma tangente à bem Querença capaz de Salir por aí a plantar amendoeiras em flor trazia desejos nos pés para a geografia da dança.
Afinal, era carnaval.


Vam ao baile vem ao baile
Pelo braço ou pelo nariz
Vem ao baile vem ao baile
E vais ver como te ris

Deixa a tristeza roer
As unhas de desespero
Deixa a verdade e o erro
Deixa tudo vem beber

Vem ao baile das palavras
Que se beijam desenlaçam
Palavras que ficam passam
Como a chuva nas vidraças

Vem ao baile, oh tens que vir
E perder-te nos espelhos
Há outros muito mais velhos
Que ainda sabem sorrir

Vem ao baile da loucura
Vem desfazer-te do corpo
E quando caires de borco
A tua alma é mais pura

Vem ao baile vem ao baile
Pelo chao ou pelo ar
Vem ao baile baile baile
E vais ver o que é bailar


Alexandre O'Neill

23 de janeiro de 2008

Haikai



(Desenho de um bom moço que eu vi crescer)

hototogisu
naki naki tobu
zo isogashiki


Olhe para o cuco
Que só canta, canta e voa —
Que vida ocupada!

Bashô


nagaki
hi o saezuri
taranu hibari kana


À cotovia,
Que canta sem cessar,
O dia inteiro não basta.

Matsuô Bashô (1644-1694)

17 de janeiro de 2008

Somos, muitas vezes


Quando o caminho é pelos sonhos, o perto e o longe são meras formas de ir. Ir sempre.
Hoje, por exemplo, voltei a percorrer os trilhos das rosas bravas e das flores-estrela. Talvez os mesmos onde o poeta colheu espigas que transformou em versos.
Aprendi com ele. Quando o caminho é pelos sonhos, partimos, vamos, somos.





Da minha janela
vê-se a Poesia.

Não te digo, não,
se é bonita ou feia,
se é azul ou branca,
nem que formas tem.

Queres conhecê-la?
Deixa o teu bordado,
vem para o meu lado,
que já podes vê-la
com teus próprios olhos.

Da minha janela
vê-se a Poesia...

Outro que te diga
se é bonita ou feia.


(Sebastião da Gama)

10 de janeiro de 2008

Malhas e redes tecidas em Sísifo

São uns rapazes e umas raparigas que tenho vindo a conhecer há pouco mais de um ano. Assim mais de perto, aqueles e aquelas que estiveram nos encontros da Igrejinha (I e II) e que se entenderam num adiamento de uma semana do dia de reis na Lezíria. Mas também os outros, com quem nunca falei ou nunca vi sequer, têm nomes que me são familiares. Dizem de si próprios com alguma vaidade que são o Grupo de Lisboa e jogam-se a saberes de que eu sei muito pouco. Escuto-os, às vezes por detrás de umas piruetas musicais; partilho dos seus entusiasmos por cima do fumegar do ensopado de borrego; junto-me a eles nas conferências à lareira. Dentre eles há uma rapariga com quem costumo brincar a um jogo infantil de achar que me leva a estes encontros.
Recebi hoje a notícia do resultados dos dos seus esforços. É mais uma etapa duma grandiosa jornada. Está tudo aqui e, logo que possa, vou lê-los com toda a atenção.
Parabéns e um abraço.

24 de dezembro de 2007

Prenda

Encosta-te a mim,
nós já vivemos cem mil anos.
Encosta-te a mim,
talvez eu esteja a exagerar.
Encosta-te a mim,
dá cabo dos teus desenganos
não queiras ver quem eu não sou,
deixa-me chegar.

Chegada da guerra,
fiz tudo p´ra sobreviver, em nome da terra,
no fundo p´ra te merecer
recebe-me bem,
não desencantes os meus passos
faz de mim o teu herói,
não quero adormecer.

Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo
o que não vivi, hei-de inventar contigo
sei que não sei
às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem,
encosta-te a mim.


Encosta-te a mim,
desatinamos tantas vezes.
Vizinha de mim,
deixa ser meu o teu quintal,
recebe esta pomba que não está armadilhada
foi comprada, foi roubada, seja como foi.

Eu venho do nada
porque arrasei o que não quis
em nome da estrada, onde só quero ser feliz.
Enrosca-te a mim,
vai desarmar a flor queimada,
vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.

Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo, e o que não vivi,
um dia hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar,
mas quero-te bem.

Encosta-te a mim

Encosta-te a mim

Quero-te bem.

Encosta-te a mim


A canção que ia fazer para te pôr no sapatinho.
O Jorge Palma adiantou-se. Paciência...
Beijo na tal

12 de dezembro de 2007


a Felicidade consiste em resistir com teimosia a todas as infelicidades

José Gomes Ferreira. Aventuras de João Sem Medo - Panfleto Mágico em Forma de Romance

Transpoética



iremos pois de mão dada
como costumamos adormecer
sempre de mão dada
como nos sonhos
percorrer o mundo
este e todos os outros
porque todos os outros também são este


pousar os olhos nas marés de todos os oceanos
lambuzar-nos com o doce das frutas
aprender os ritmos de cada lugar
perdermo-nos na aventura da dança
deixar para trás os desertos
afogarmo-nos no verde das searas
escutar os apelos da terra e do corpo
porque corpo e terra também são voz


marcar o compasso das ilhas
despirmo-nos no espelho das fontes
contar luas pelos dedos
embriagarmo-nos de virtude
semear melodias no vento
escutar em muita línguas
o que dizemos em silêncio

6 de dezembro de 2007

Metanças gregas





Todo o mundo é composto de metáfora.
A amiga Xantipa explica porquê.


imagem daqui

Sementes (cinco)


O rapaz que durante toda a sua vida seguiu com o olhar as aves que partiam e sentia-se a ir com elas para terras para lá do mar experimentava agora um desejo ardente de partir com a rapariga do sorriso e com as suas cinco sementes. E disse à rapariga:
Tu és como as aves.
O olhar da rapariga encheu-se de luz e isso encorajou o rapaz a continuar.
As aves tanto são das terras donde nascem como daquelas onde têm os filhos. Tu trazes contigo sementes raras; se nunca as plantares elas nunca irão germinar.
O sorriso da rapariga parecia dizer que ela já sabia tudo isso e que estava à espera que alguém lho dissesse. E o rapaz acrescentou:
Bem sabes que no dia em que as lançares à terra elas vão ganhar raízes que te vão prender também a ti a um lugar que é também a tua terra.
A rapariga humedeceu os lábios, o que dão mais brilho ao seu sorriso em forma de estrela do mar e disse:
É por tudo isso que algo me faz querer confiá-las a alguém e também confiar-me. Queria muito que isso fosse contigo e já está a ser. Mas preciso de mais muito mais. Preciso que vás buscar ao fundo de ti, também as tuas sementes e as tragas e as partilhes comigo. Então serás o meu homem e eu a tua mulher.
A rapariga deixou ficar o sorriso e o rapaz ofereceu-lhe os olhos brilhantes de comoção. Ficaram ali muito tempo, não se sabe se a pensar no futuro se simplesmente a observar o mundo com o mesmo olhar.

4 de dezembro de 2007

Design & Branding


Uma filha entra verdadeiramente na idade adulta quando atende o telefone e diz com voz de empresária:

Agora não posso falar, estou com clientes.

E depois liga mais tarde por sua iniciativa.


Torço para que tudo corra bem.

Fico feliz com os seus sucessos.

E pai orgulhoso.

20 de novembro de 2007

Desejos simples


Assim mesmo, com palavras simples e a transparência índica do sorriso, ela formulou um desejo que tinha a força de uma profecia. Havemos de aqui vir!... Escreve isto!.

Iremos.

Está escrito.
Imagem roubada aqui

10 de novembro de 2007

Pó de ser


Já me tinha soado que havia qualquer coisa no ar... Afinal era poeira.
Pós. Pós modernos, claro.
Acabaste de inventar um novo produto blogoliterário.
Estórias em pó.
Basta juntar água.
Gande abraço à Cristina -que ninguém lia (!)- e boas estórias.
Água, meto-a eu

Partida


Lembro-me da praia da Nazaré dos meus tempos de menino muitos anos antes de alguém sonhar com telemóveis e comunicações por satélite. Os pescadores entravam nos botes que os levavam às traineiras e partiam para a faina de dias ou semanas. As mulheres ficavam sentadas na areia a entoar um murmúrio que eu não entendia (alguém me explicou que eram rezas para que nada acontecesse aos seus homens), até a traineira se sumir no horizonte. Depois, iam às suas vidas, de canastas viradas para baixo à espera do próximo quinhão. Mas se havia notícia de temporal no mar, lá voltavam elas como um bando que pousava na areia e retomavam as ladaínhas sentadas nas suas sete saias de esperas.


Desta vez custou menos vê-la partir. Custou mais ficar em terra a mastigar a dor da falta de coragem de enfrentar as outras dores e todos os riscos que afinal se correm mesmo ficando.


Foi bom ouvir-lhe a voz outra vez do lado de lá do equador. E trazia um sorriso em forma de estrela. Do mar. Do Índico.

6 de novembro de 2007

Bem me parecia

Encontrei por aí esta brincadeira e fui experimentar.
E depois de me sujeitar a um apertado inquérito concluiu-se que afinal

***You Belong in Paris***
(quer dizer, eu mesmo)
You enjoy all that life has to offer, and you can appreciate the fine tastes and sites of Paris.You're the perfect person to wander the streets of Paris aimlessly, enjoying architecture and a crepe.
experimenta!

5 de novembro de 2007

Também eu, às vezes


Assistia hoje a um painel sobre Igualdade de oportunidades e não discriminação enquanto factor de cidadania e uma das oradoras citou um trabalho de uma deputada dinamarquesa que caracterizava cinco estratégias masculinas de desqualificação das mulheres nos grupos de trabalho, sobretudo quando estas estão em minoria que passavam por ignorar a sua presença, não responder aos seus argumentos, torná-las invisíveis, juntarem-se em grupo durante as pausas para “conversas de homens”, etc. Contava ainda esta participante que a dita deputada tinha tido grande sucesso no estabelecimento de uma cumplicidade entre as deputadas dos vários partidos que já comunicavam umas com as outras por sinais como quem diz olha a estratégia número dois, ou outra que já todas identificavam claramente.
Ao contrário do que sugeria esta oradora não me pareceu que esta estratégia fosse a mais adequada por parte das mulheres quando se sentem de alguma forma discriminadas. Ao colocarem-se em simetria face às posições e aos estereótipos culturais fundados no machismo, numa espécie de guerra-fria-dos-sexos, não contribuem para a mudança. Os homens vão continuar a achar que são muito evoluídos culturalmente que não discriminam, que respeitam a mulher na sua natural dignidade e outras coisas politicamente correctas e a pensar que as queixas delas não fazem sentido, sobretudo se elas não forem jovens e bonitas.
E pensei também como têm sido para mim estas diferentes atitudes. Fizeram-me muito mais homem e crescer como pessoa, as mulheres que ao longo da vida me confrontaram, fazendo-me ver e reconhecer em mim os traços sexistas, machistas e marialvas. Isso sim, foi-me transformando e continua a transformar, e mais ainda quando vem de quem se ama.

31 de outubro de 2007

livreiros entre outras coisas ( I I )


Descobri a Culsete há pouco. Ou melhor, ela é que veio ter comigo dentro de um livrinho que já não se vê por aí nos escaparates e que conta mistérios da nossa existência. A Culsete veio com amor por mão própria e, mesmo antes de lá ter entrado já lhe tinha apreendido o fascínio. Não tive ainda tempo para a explorar. Estive lá uma vez e muito pouco tempo. Mal passei da entrada e já acontecia tanta coisa. Senti-me como na entrada de uma misteriosa gruta onde apetece voltar com tempo para explorar demoradamente. Ali os livros têm o cheiro facilmente reconhecido por quem gosta dos livros e dos sítios deles. E tem um livreiro que é dono e é capaz de saber o sítio exacto de cada livro apenas pelo título, ou pelo autor ou, até mesmo por uma palavra solta do título. Foi na altura da divulgação do Nobel da Literatura e, confesso que nunca tinha lido nada nem sequer ouvido falar em Doris Lessing, mal falámos no assunto e se tinha alguma coisa dela vimo-lo desaparecer por detrás de uma estante, baixar-se e levantar-se já com um livro na mão.


Só tenho este... (um título que não me entusiasmou por aí além e que não retive sequer).


Entretanto prosseguíamos na conversa em que falava do seu percurso com os livros e a leitura e a animação de leitura comentada com grupos de operários até que a A. pergunta por um livro que fala de uma menina cega. Não sabia dizer o título nem o autor, mas isso não impediu de em segundos ter na mão um livro protegido por um invólucro de celofane a que limpou o pó com um pano antes de o rasgar. O livro assim pedido era "Helen, a menina do silêncio e da noite" de Anne Marchon (Desabrochar–Editorial, 1988) , uma obra invulgar incorporando a versão em Braille e uma cassete audio. Foi com visível e partilhada emoção que se virou para A. :
Que idade tens?
Onze.
Olha, quando este livro saiu ainda não eras nascida e a minha filha tinha a tua idade. O primeiro exemplar foi para ela. Este é o último. É para ti.
Nesta altura já a emoção tomava conta da gente, capaz de nos embargar a voz. A C. quis saber o preço que iria pagar por aquela raridade, mas também, pareceu-me, porque temeu que ele quisesse oferecer o livro a A.
O preço é o que menos importa num livro. Quando se quer muito uma coisa não se pergunta o preço.
Depois deixou-nos ver a etiqueta branca colada na capa com um preço de antigamente: 1300$00.
É isto em euros, mais IVA. Sou livreiro e não alfarrabista. Era o preço na altura e não actualizo. São sete euros e oitenta e cinco.

Era sábado, mais do que horas de almoço. Horas de fechar a livraria. Veio conosco até à porta e, depois de nos despedirmos com a cumplicidade de quem viveu um momento extraordinário em comum, acendeu o cigarro que mantivera ao canto da boca durante todo este tempo.

Imagem daqui

30 de outubro de 2007

Outonomia


Vens lembrar-me o tempo em que nascem coisas belas.
E semeias assim as palavras que são sementes e depressa se incendeiam em flor.
Obrigado.

Já flutuavas aqui sobre a terra e sobre o mar há uns dias e ainda não tinha escrito nada. E não sei que palavras bastem para o gosto que as tuas me dão.
Leio-te nas cores todas, mesmo que risque pouco.

Eu pensava que já sabia umas coisas de blogues...
Ainda não descobri como é que se faz um post com o cheiro da terra húmida e das frutas e dos salgueiros dos rios e dos ventos do levante e dos doces de mãe e do pão quente e da serra e do mar...
Vê lá se me ensinas.

Tenho esperança que nasça aqui uma acácia rubra.

16 de outubro de 2007

livreiros entre outras coisas ( I )



Há dias entrei numa livraria em Setúbal e, entretido a ver uns cadernos e uns dossiês antigos, dei por mim a escutar a conversa entre o livreiro e uma família. Uma menina perguntou o que era o IVA.

O dono da livraria, senhor a caminho dos setenta, figura esguia e olhos muito vivos, virou-se para a menina como se tudo o resto deixasse de ter importância e a hora de fechar para almoço (era sábado) pudesse ser atirada lá mais para a frente e dispôs-se a explicar a uma criança de cinco ou seis anos o que era o Imposto Sobre o Valor Acrescentado. E fê-lo de tal forma que até os adultos (entre eles um avô) ficaram a saber. A criança só não percebeu porque se chamava IVA ao imposto. Possivelmente tem algum coleguinha de infantário chamado Ivo e a coisa estava a fazer-lhe confusão, pensei eu.

O livreiro então levou-a para junto de uma mesa, pegou num papel e numa caneta e perguntou:


Como te chamas?
Irene.
Irene quê?
Irene Marques.
Então se eu escrever aqui um I e um M, as pessoas que te conhecem sabem que és tu. Com o IVA é o mesmo..., continuou ele até concluir a explicação.
E lá se despediram com o livreiro a expressar as saudades que também tem dos netos.

Depois ficámos ali a sós ainda uns minutos e não me lembro como lá fomos parar, mas seguramente relacionado com a dificuldade de uma livraria ter tudo o que um cliente pode procurar, falávamos da profusão editorial dos dias de hoje e do muito lixo que por aí circula. Surpreendeu-me ama vez mais quando me fitou (com o cigarro apagado ao canto da boca que mantinha desde que o vi) e me disse:
Sabe? Também já pensei que isso era mau. Tudo se editava, muita coisa sem qualidade... mas depois pensei que teria que haver algo de bom nisso. Há muita palha e pouco grão? Temos que procurar melhor; o grão está lá!

Ficámos por ali porque entretanto chegaram a C e a A e começou outro episódio que merece um outro poste.

7 de outubro de 2007

Hoje

Pode ter sido pelo caminho da pele que chegámos para ler nos olhos um do outro coisas que nem um nem outro sabíamos lá haver.
Mas os dedos nasceram lá longe e andaram errantes por aí carregados de estórias e de repente (não mais que de repente, diria o poeta) souberam-se ávidos de abraços.
E os abraços cresceram com outros abraços e também no abraçar das belezas do mundo. E foram viagem e alegria e festa e força regeneradora quando algo em nós adoecia.
Foi bom voltar aos beijos de areia e mar

26 de setembro de 2007

Voa voa que o amor chega a Lisboa

Agora vou-me embora e parto sem dor...









25 de setembro de 2007

sui genericídios

Através de blogamigos tomei conhecimento da morte do actor pedro alpiarça que se defenestrou do quinto andar do hospital de santa marta provavelmente em desespero com a falta de respostas do serviço nacional de saúde Hoje soube que o filósofo andré gorz e a sua mulher Dorine se suicidaram em casa como quem escreve la dernière lettre d'amour Amor e morte Desespero e morte Há quem diga que são escolhas Não sei
O próprio gorz disse um dia
On ne fait jamais ce qu'on veut et on ne veut jamais ce qu'on fait.[...] Et pourtant, on fait ce que l'on juge devoir faire parce qu'on se sent et donc se rend capable de le faire

Tento compreender este querer não querer de quem escolhe em determinado momento fazer o que julga nesse momento fazer O drama é que não há forma de saber que consequências teve essa escolha

programa de troca de guardas prisionais

ou pelo menos daqueles que falam por eles

Imagem gamada aqui
Por cromos da bola ou pokemons ou actiomen ou assim e talvez não fosse necessário fornecer seringas aos presos que consomem drogas nas cadeias Se entra droga e uma seringa para cinco ou seis (quando não é uma seringa artesanal feita com uma carga de esferográfica) é porque alguém está a dormir ou é pago para isso E vêm os gajos agora dizer que é um perigo e tal que alguns até estão presos por assaltos com seringas E estas políticas hesitantes (como diz o editorial do público) têm andado a reboque do senso comum e mais das imbecilidades do pinto coelho da doninha avestruz ou do vaca galo em vez de seguirem as experiências estudadas e comprovadas

A coisa vai ser assim e pedagógica que é para ver se eles aprendem Pode ser que fiquem a saber quantas pessoas não teriam sido infectadas com vih e hepatites se a medida tivesse sido implementada quando se começou a falar que noutros países já se fazia

23 de setembro de 2007

Meu amor doente

Há momentos em que parece que o mundo todo pára. Param os relógios, ou começam mesmo a andar ao contrário. Os semáforos avariam no vermelho. As cancelas não sobem.
A orquestra, já na cadência final suspende-se numa inexplicável fermata.
Neste tempo equador ecoa a dor.

Acho que é nestas alturas que os crentes invocam os seus deuses e a divina protecção. Eu que de crente só chego à alma (anima) convoco a força regeneradora que nos faz resistir e vencer.
Imagem pescada pelo google


Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias...


Eugénio de Andrade ( As Mãos e os frutos)

22 de setembro de 2007

Rosa de porcelana


Descobri-a no sítio do costume e fiquei a saber que se chama Etlingera Elatior, que é da família do gengibre, mas isso não muda nada. Nunca vi nem cheirei nenhuma. Não sei explicar. Gosto dela. Gosto dela porque gosto dela e porque é de lá.
Toma-a

Parabéns

minha flor


Minha flor minha flor minha flor.
Minha prímula meu pelargônio meu gladíolo meu botão-de-ouro.
Minha peônia.
Minha cinerária minha calêndula minha boca-de-leão.
Minha gérbera.
Minha clívia.
Meu cimbídio.
Flor flor flor.
Floramarílis.
floranêmona. florazálea. clematite minha.
Catléia delfínio estrelítzia.
Minha hortensegerânea.
Ah, meu nenúfar. rododendro e crisântemo e junquilho meus. meu ciclâmen. macieira-minha-do-japão.
Calceolária minha.
Daliabegônia minha. forsitiaíris tuliparrosa minhas.
Violeta... amor-mais-que-perfeito.
(...)

Carlos Drummond de Andrade


na terra que te viu nascer e onde se multiplicam emoções todos os dias.

Beijo

20 de setembro de 2007

Setenta e duas horas

E estava eu no 4 de Fevereiro à tua espera quando arribas do sul para mais perto.
Depois pousavas de mansinho do teu voo e abraçavas-me ali para que o que resta do dia nos visse com toda a luz. O resto contar-me-ias no breve crepúsculo porque a noite cai muito depressa.
A meia lua crescente testemunha que mais uma vez me calo e guardo para mim a visão da beleza que me ofereces.

18 de setembro de 2007

correr com eles


O nosso primeiro (em americano praim'inistar) e também presidente da ué foi aos seteites da américa Ele tem aquela mania do joguingue assim como aquele papa tinha de beijar a placa dos aeroportos e eu já estava a pensar cá com os meus botões e teclas Agora é que ele corre com o jorge buxo (buxus sempervirens) Mas não ele foi lá só treinar o inglês tecnico-geográfico do midueste
Enfim Também gostava de correr com eles Ou seja em americano técnico dampedeme

11 de setembro de 2007

À sombra


Aqui o sol nasce às seis horas e o trabalho às sete. Já chamo amigos aos que vou encontrando e que sem darem por isso me vão ajudando a percorrer esta cidade. De modo que já sei: uma hora antes de o sol se pôr encontramo-nos à sombra, ali na rua da ilha da madeira, a uns escassos duzentos e cinquenta metros da praia. Então contar-me-ás ao ouvido o que te lembra o cheiro do maboque. É que ouvi contar por aí que leva consigo o cheiro dos lugares onde foi criado e lembrei-me logo que devia ser como os búzios: trazem dentro de si o som do mar.

onze de setembro

Imagem roubada

O outro Ninguém se lembra já Então aqui fica para os que ainda não eram nascidos

Foi há trinta e quatro anos e terá causado mais vítimas e desaparecidos que este Um golpe de estado empinochou uma ditadura tenebrosa que perseguiu torturou matou exilou milhares e milhares de chilenos

Allende resitiu até à morte

As suas últimas palavras são uma exortação à esperança


Trabajadores de mi patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.
¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!



10 de setembro de 2007

Paralelo 13


Desde que partiste que viajo como há muito não fazia.

Talvez a culpa seja de não ter aprendido a despedir-me assim para tão longa distância. Esse equador separa e coa as mensagens por um ralo muito finhino e só deixa matar gota-a-gota as saudades que crescem mais depressa.

Mas não me conformo e vou por aí em busca desses lugares e vejo acácias rubras mesmo antes de começarem a florir e sento-me a teu lado ao pôr do sol na Morena. E oiço dizer que antigamente faziam uns bailes fantásticos no «porta aviões».

Por acaso já descobriste onde se come um bom calulú?

Do lado de baixo do equador

POEMA DOS OLHOS DA AMADA Foto daqui

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe dos breus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas era
Nos olhos teus.

Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Vinícius de Moraes


6 de setembro de 2007

Aqui ficas, Clara


Aqui ficas, melodia
Que nunca encontrei
Por mais que a buscasse
Nas bocas, por lei,
Cosidas na face…

Aqui ficas, minha sombra,
Na terra deitada
À espera, sozinha
Da noite da espada
Fora da bainha.

Aqui ficas, minha raiva,
A sonhar que furas
Os olhos das rãs
Com estas mãos puras
De tecer manhãs.

Aqui ficas, meu sonho,
Para um dia pores
Todo o sol que queiras
Nas cristas das flores,
E inventar bandeiras.

Aqui ficas, morte,
Que a morte é assim,
Este dar ao mundo
O que ao mundo em mim
Gela num segundo.
(...)
José Gomes Ferreira
Pensei que chegava ao pé de ti e dizia:
A luta continua!
Não me deste tempo.
Foste...

3 de setembro de 2007

Hoje a tristeza é Clara

Há coisas com as quais ainda não sei lidar. Não sei se aprenderei. Se viverei tempo suficiente para isso.
Que se faz quando se recebe um sms assim: A Clara está em fase terminal, pouco mais há a fazer do que proporcionar-lhe uma partida digna e com o menor sofrimento (...) ?

Que se faz quando Clara nos transporta até à infância e adolescência (aos lugares da infância, pois é...) com o seu olhar vivo e inquieto (não me recordo se alguma vez lhe disse que me lembrava um olhar de rato) num tempo em que a liberdade tinha que ser inventada?

Só consegui responder ao fim de meia hora. Que tristeza... Dou-vos o meu abraço solidário e amigo.

Sementes (quatro)


A rapariga guardara as sementes durante tantos anos e tinha-se habituado a olhar para elas sempre que na sua vida acontecia ou estava para acontecer algo de importante. Contou que tinha sonhado com os lugares da sua infância e o rapaz escutou-a a falar como se estivesse ali a sonhar. A voz da rapariga foi baixando até ao nível do sussurro e o rapaz acercou-se mais. Nessa proximidade sentia claramente o odor que se desprendia da pele da rapariga. Um cheiro doce que lembrava baunilha e canela inebriava-lhe os sentidos ao mesmo tempo que uma estranha força o colocava cada vez mais próximo. Tão próximo que quase se tocavam.
Talvez pudesses ir lá comigo um dia, disse a rapariga como se despertasse. Ou pelo menos foi isso que pareceu ao rapaz no seu próprio despertar.
Contigo, aonde? Perguntou o rapaz ainda mal refeito da vertigem.
Aos sítios da minha infância, respondeu a rapariga iluminando o sorriso e estendendo a mão. O rapaz pegou-lhe com doçura e ali ficaram os dois num olhar de olhos que se procuram no fundo.

Por cima desse olhar líquido de adivinhar viagens, a rapariga disse-lhe:
Há muito que ninguém se interessava assim pelas minhas sementes. Queria muito que fosses capaz de as compreender e de as respeitar.

2 de setembro de 2007

Reverberações das figuras


Calei tudo.
Nem Mezzo.
Nem rádio.
Nem mesmo o novo CD da Susana Baca.

Procurei o silêncio.
Escutei as paredes a ver se me confessavam a tua presença.

A casa está realmente vazia e enorme.

27 de agosto de 2007

Muito que contar


Acordar assim como quem vem dos sonhos.
Percorrer o teu corpo antes que o dia lhe mostre a luz.
À mistura com com abraços, nasce como a água a vontade de contar.
Sementes.
Muito provavelmente.

31 de julho de 2007

noventa e seis segundos


Noventa e seis segundos de fogo de artifício

É quanto custa aplicar a lei da ivg na madeira

24 de julho de 2007

ibéria ou e-béria




O saramago devia ganhar mais um prémio nobel O nobel da incon(s)ciência E não é que vem o laureado escritor ribatejano-canarino dizer que isto de portugal e espanha serem assim dois estados não tem graça nenhuma porque tem que casar duas vezes e logo com a mesma Mas faz mal andar por aí a propagandear essas coisas sem explicar como é que é porque o pessoal daqui põe-se logo a pensar em mil seiscentos e quarenta e em restauração quando esta ainda não era negócio de comes e bebes Enfim O pessoal começa logo a filipar só com a ideia de portugal poder ser uma província espanhola E depois há o caso da madeira e de olivença que seguramente entravam em luta pela independência para já não falar das berlengas e da ilha do pessegueiro


Por acaso também acho que estas fronteira já não fazem sentido nenhum e uma ibéria de povos e regiões respeitando as diferenças culturais e a liberdade de cada um morar e trabalhar onde lhe dá mais jeito é que era bom Mas não sou tão incon(s)ciente como o saramago Isso não é possível A esta hora já há muito castelhano a praguejar entre duas cañas Coño Nosotros una província portuguesa Nem que la vaca tussa Ou como dice el ministro da ota Jamais Jamais


Só por esta amostra se vê a dificuldade para um castelhano em arranhar o portunhol quanto mais entender o tranquilês do treinador bento


20 de julho de 2007

Sementes (três)



O rapaz mergulhou então numa espécie de sonho. Também ele conhecia esse mundo de tanto o percorrer. O hábito de observar as aves era mais do que um simples olhar. Voava com elas e com o seu olhar, no ir e vir das suas migrações, falava de terras distantes como se as tivesse calcorreado e até parecia entender o falar estranho de gentes longínquas.

O rapaz olhava para as cinco sementes e só agora começava a vê-las no seu essencial. Sentiu-lhes uma força contida de algo que quer nascer e pousou-lhes suavemente as mãos quase sem lhes tocar.

Eram muito mais que sementes de germinar e fazer crescer árvores e flores e frutas que é o que fazem todas as sementes. O rapaz que sabia de sementes raras, na posse de mestres que as guardavam como pedras preciosas e as protegiam da extinção, teve a clara visão de que estas não eram apenas sementes raras. Cada semente era única.

A rapariga mantivera o sorriso em silêncio e parecia seguir os pensamentos do rapaz como se os adivinhasse antes dele os ter. E disse-lhe: sim, cada semente é realmente única.

E a rapariga contou que lhe tinham sido dadas pela mulher velha antes da grande tempestade que se apropriou de todo o céu no tempo em que os homens ainda guardavam os rios.

19 de julho de 2007

Sementes (dois)


O rapaz das aves lembrou-se então de saberes antigos e talvez um pouco enjeitados pela vida, mas que lhe vinham de herança juntamente com meia dúzia de courelas. Crescera no meio dos cheiros do mosto e do azeite e sofrera a brotoeja das favas. Aprendera a reconhecer os pássaros pelo cantar e das plantas sabia os códigos de leitura da forma da copa, da nervura da folha, dos veios da madeira e, naturalmente, das sementes.


O rapaz cujo olhar voava com as aves, pousou os olhos no mar e as ondas eram já as do vento nos trigais da sua meninice com o marulhar das agulhas dos pinheiros quando a nortada esfriava o fim de tarde.


Sabes, disse para a rapariga, não sei se sou capaz... O sorriso dela baixou suavemente as asas como que a pontuar a espera serena do olhar.


As sementes encerram demasiados segredos e há coisas que não cheguei a aprender. Deixei-as a meio e fui atrás de outros saberes, continuou o rapaz.


O sorriso da rapariga voltou a erguer as pontas e parecia levá-la num voo a sítios distantes e desconhecidos para o rapaz. Por momentos o rapaz teve a sensação que dela se exalava um cheiro a terra vermelha dos lugares da sua infância.

Preciso que me contes a história de cada semente, disse o rapaz.

A rapariga mudou de posição e sentou-se como só as sereias sabem fazer. Alisou a areia com a mão e começou a desenhar umas linhas que depois se encontravam e voltavam a separar. Era um mapa do mundo. Não como habitualmente o vemos com os continentes separados dos oceanos, mas como espaços de vida que atravessam terra e mar, explicou.

18 de julho de 2007

Sementes (um)


A rapariga do sorriso abriu um pequeno pano na areia e disse, estendendo as duas mãos para as cinco sementes: isto é o que eu tenho e também o que eu sou. O rapaz encantou-se com a beleza e a poesia do acto, mas teve muito pouca consciência de estar perante um verdadeiro tesouro. Não daqueles que nos tornam ricos de repente. Não. Um tesouro não é bem isso. É algo que nos enriquece sim, mas por dentro. E é uma coisa por fazer.


A rapariga do sorriso falou como se lhe estivesse a confiar o seu tesouro e ele nem percebeu na altura que ela também estava a dizer: toma bem conta de mim.


O olhar do rapaz, demasiado habituado a seguir o voo sereno das aves, tornou-se inquieto e saltava das sementes para a rapariga e da rapariga para as sementes, ávido de respostas para perguntas que não se atrevia a fazer. O rapaz reparou então melhor na rapariga e viu como ela era bonita e como desejava mostrar a sua beleza. Mas também se sentia intrigado com as sementes. Duas eram mais ou menos vulgares, mas vendo melhor podiam não ser bem o que pareciam. As três outras eram-lhe abolutamente estranhas.


Perante este interesse do rapaz, o sorriso da rapariga iluminou-se e foi então que ela lhe disse: é tudo o que tenho; partilho-o contigo se souberes entender e sentir o que te ponho nas mãos.

12 de julho de 2007

Ex itinere


Acho que natureza própria tenho tendência a pensar-me mais em movimento que parado. Apanho-me sempre a caminho de qualquer lugar, mesmo que seja um lugar interior. Nos últimos tempos tem-me apetecido muito parar. Parar-me e olhar à volta. Sentir os movimentos dos outros, adivinhar-lhes os passos e a respiração. E perceber com isso que também tenho um lugar onde posso parar e pertencer-lhe.
Talvez, por tudo isso, tenha acordado hoje com uma estranha energia e absolutamente convencido que o dia seria bom.
Esta vida é feita de muitos caminhos e paragens. E às vezes também vamos longe nelas.
Há um rio na minha vida. Recordo-o desde sempre com salgueiros nas margens. Há um rio na minha vida e tem cada vez mais pontes.

2 de julho de 2007