7 de dezembro de 2024

Corpus Anima Animacorpus

 

Contava gaivotas. A praia tem uma zona húmida onde à tardinha elas pousam. Não pousavam para ficar. Estão sempre em movimento e é difícil registar. Contou 16, mas passados uns segundos esse número já não estava certo.

Uma pequena distracção neste ofício permite-lhe ver que alguém se aproximava. Não era gaivota, mas tinha tudo de ave e foi com essa ave que voou na hora em que o sol se punha.

(exercício de escrita automática após a acção – SBA, 20Nov2024)

 

Esta alma não é uma crença ou aquilo que a crença dita. Essa destitui-nos e, em vez de essência, parece querer ocupar-nos o corpo. Uma espécie de colonização vinda de não se sabe onde, em nome de algo que nos é estranho. A alma é a essência, aquilo que um corpo é. Em latim, o termo para alma é anima. O corpo mexe-se; tem em si um movimento essencial que é visível, mesmo na mais conseguida imobilidade. Ao movimento chama-se, em latim, animatio.

É assim que os corpos falam quando se mexem e quando se detém parados.
Estáticos. Presença física, energia, emoções, intenções.
Extácticos. Experiência estética do corpo em movimento.

Diz-se que podem contar histórias. Talvez sejam apenas história. E por isso, impossíveis de traduzir em palavras.

O espaço enche-se de corpos que vão muito para além das suas dimensões, do seu peso. O movimento amplia e encolhe os corpos. O corpo em movimento abre razões oblíquas entre o espaço e o tempo.

 

E lembro palavras que me desenham formas justas:

We love the things we love for what they are. (Robert Frost)

Poetry is what gets lost in translation. (Robert Frost)

 

A verdadeira mão que o poeta estende
não tem dedos:
é um gesto que se perde
no próprio acto de dar-se

O poeta desaparece
na verdade da sua ausência
dissolve-se no biombo da escrita

O poema é
a única
a verdadeira mão que o poeta estende

E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta

Ana Hatherly (2003), Pavão Negro

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