Havia um buraco no meio do caminho. Uma lacuna. Não uma pedra, como no outro caminho. Um buraco pode ser mais difícil de ultrapassar que uma pedra, dependendo das respectivas magnitudes. Um seixo da praia pode ser uma montanha e um buraco pode ser um vale, um barranco ou um poço. Mas, se o caminho se faz a andar, por que raio faremos caminhos com pedras e buracos? Se calhar é mesmo da nossa natureza inventar obstáculos para colorir a vida e os caminhos. Deve ser a isso que chamamos paisagem, o conjunto de percepções que nos ajudam a dar sentido ao mundo. Vou ver ao dicionário de latim e encontro ´prospectus´ para paisagem. Significa a acção de olhar ao longe, vista, mas também, próximo de olhar para a frente, contemplar de longe, procurar, descobrir... Não consigo evitar a imagem de promontórios e abismos, porque também os fazemos. Por bem e por mal. A beleza e o medo, o êxtase e a perturbação podem ser simultâneos, como descreveu Stendhal. O promontório de Sagres já me deu algo semelhante e ainda não tinha ouvido falar da doutora Graziella. Tudo pode ser um abismo face ao tamanho com que nos vemos. A pedra do Drummond e o buraco no pavimento da minha rua que os serviços camarários tardam em reparar não chegam para nos esquecermos desse acontecimento que impressiona as nossas retinas fatigadas. Haverá sempre alguém que nos dirá vem por aqui que não há pedras nem buracos e o caminho é seguro. Alguém que já fez esse caminho e o fez assim, seguro. Pois, penso, um caminho sem paisagem não me serve. E digo, ou não digo e apenas penso, não sabes o que perdeste. E talvez, o buraco no meio do caminho, seja essa lacuna, essa perda. O vazio de um caminho sem paisagem.
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