8 de setembro de 2010

Pois, se a casa pia, nunca se ouviu

Imagem roubada aqui

Dizia hoje uma colega no bar comentando com descrédito o pseudo desfecho do caso Casa Pia: pois eu sei o que lhes faria se soubesse que algum deles tinha tocado num filho meu. Fiquei uns segundos a pensar naquilo e relevei o aspecto da justiça por mãos próprias (tendo em conta que se trata de uma católica militante, averbe-se na rubrica do olho por olho, dente por dente) e sou assaltado por uma tenebrosa paisagem mental. E respondi-lhe que aquelas palavras serão impossíveis aplicadas às crianças da Casa Pia. Foram lá parar exactamente por não terem pais ou não os terem capazes de os proteger, de os defender, portanto aquele desabafo fará sentido (?) para pais que o são, para crianças que os têm, não para as da Casa Pia.

Independentemente da trapalhada em que se transformou, daquilo que é visível, o processo CP, há uma evidência clara: os principais responsáveis ficaram de fora. A sociedade deveria acusar todos os agentes do Estado que em seu nome tomaram decisões ou se demitiram de as tomar que permitiram que aquela instituição mantivesse a estrutura e as características obsoletas, as que tiveram conhecimento de abusos e não os denunciaram tornando-se cúmplices de actos criminosos, os que (dizem) não tiveram conhecimento, mas cuja obrigação era ter tido e pactuaram com uma cultura de abuso e violação não apenas de carácter sexual. Essas pessoas, naturalmente, não poderão ser acusadas de pedófilos, mas têm responsabilidades noutros crimes nomeadamente de negligência, de recusa de protecção às vítimas e por aí fora. Porque é que nunca foram acusadas? O processo CP deveria ser muito mais que um caso de pedofilia. E também acho estranho que a justiça tendo identificado, acusado e condenado (vamos ver) uns quantos indivíduos como abusadores de menores, não tenha investigado outras ligações. Então agora temos pedófilos em dedicação exclusiva na Casa Pia? Não cometeram outros abusos? Não apareceu mais ninguém a queixar-se?

Continuo a achar que há uma grande cortina de silêncio cuja finalidade é proteger uns quantos intocáveis.

Há um outro aspecto de que quase ninguém fala e que tem a ver com as vítimas. As vítimas são sempre as vítimas e têm a minha compreensão e solidariedade. Ainda que alguns dos comportamentos possam ter acabado por se tornar por assim dizer, "voluntários" , de prostituição mais ou menos consciente a troco de benefícios materiais, isso não iliba os abusadores, nem os responsáveis pela instituição. Sabe-se que esses comportamentos de uns induzem outros à sua prática. As relações de poder, as trajectórias individuais e de grupos no seio destas instituições, incluindo a gestão das relações priviligiadas com os dirigentes, têm sido objecto de estudo de muitos especialistas ao longo de décadas. Os dirigentes tinem obrigação de saber, procurar saber e proteger quem precisava de ser protegido. Foram nomeados e pagos para isso. O mínimo que teriam que saber era como tinham conseguido dinheiro para comprar os bens (roupas de marca, relógios, gadjets vários...) que exibiam, situações ao que parece várias vezes relatadas por trabalhadores, vigilantes, educadores, aos altos responsáveis e que tudo meteram na gaveta e deram sumiço.

Falta sentar estes senhores e estas senhoras, todos os que calaram as denúncias, no benco dos réus.

A minha revolta é imensamente amarga.

1 comentário:

Xantipa disse...

Muito bem pensado.
Beijinho