
Nem penses que me enganas Pá
Sei de cor essas manhas de poeta
Um surrealista não morre Brinca com o próprio cadáver delicioso e esquisito Fá-lo beber vinho novo da mesma forma que os cavalos bebem nuvens nas lagoas da esperança até à embriaguês das tempestades
E continua a viver da única maneira possível
Bêbado
Apaixonado
Poeta
Tu é que sabes cesariny
Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas, que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens, palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar
Mário Cesariny de Vasconcelos
(9 de Agosto de 1923 - 26 de Novembro de 2006)