15 de julho de 2009

Méquecoisa...

O senhor de suspensórios e boné à lavrador avançava à minha frente na caixa do supermercado ao ritmo do tapete rolante. Nenhum de nós se preocupou em separa o monte de meia dúzia compras com aquela barra "cliente seguinte" de modo que elas lá iam avançando. O senhor, aproximadamente com a idade do meu pai, porte muito direito, fez várias rotações de quase 180 graus, varrendo o horizonte como se fosse um farol. Já a senhora da caixa debitava o maquinal "tem cartão jumbo?" quando ele se vira para mim o que isto mudou em vinte anos! Era tão evidente que se dirigia a mim e respondi-lhe com cordialidade sim, sim... mudou muito. E ele insiste Faro mudou muito, isto aqui era tudo campo. Há cinquenta anos... a senhora da caixa anuncia o valor a pagar e ele entrega-lhe o cartão, marca o código sem nunca parar de falar. Sabe, eu andei muitos anos lá pelas américas e a coisa que mais gostava de admirar eram os grandes centros comerciais. Ele parecia procurar sinais do meu interesse pelo assunto, ao que eu moderadamente ia correspondendo. Por cá não havia nada parecido. Eu lá ia concordando, que sim, enquanto as minhas compras iam passando com apitos no leitor do código de barras. Mas agora quero-lhe dizer uma coisa, continuou, vir aqui e não comer um Biguemque é como ir a Roma e não ver o papa. E lá seguiu com os seus dois sacos na mão.
Enquanto aguardava a saída do talão ainda pensei que o devia ter convidado era para um xarém com irozes fritas e pedir-lhe para acabar a história que tinha começado, sobre o indivíduo que era o dono daqueles terrenos que iam dali até ao Alto de Rhodes e que era construtor de carroças e um dos homens mais ricos das redondezas.
Talvez tivéssemos perdido os dois uma bela oportunidade de fazer o gosto à conversa. E é já tão raro acontecer conversa. Mas, um Biguemeque...

14 de julho de 2009

Googlando a minha rua



Confesso. Sou um verdadeiro googlómano.


Sempre gostei de saber coisas. Todas as coisas, mesmo as mais inúteis.


Tenho uma curiosidade quase doentia por palavras, o seu significado, a sua origem. Igual curiosidade por saber onde ficam os lugares, como são as paisagens, como se vai para lá.


Dantes consultava dicionários, enciclopédias, mapas. Agora, num clique, o google dá-nos quase tudo.


O Google maps já tem para muitas cidades uma opção "vista de rua". Ontem tive oportunidade de ver como isso se faz. Chamou-me a a atenção uma viatura com um zingarelho às costas a andar de um lado para o outro. Só quando passou por mim é que reparei no autocolante na porta.


Daqui a uns tempos até sou capaz de aparecer, na minha rua de máquina fotográfica apontada.
Afinal há um número incontável e maior do que todas as coisas contáveis que existem.
Chama-se googol, nome inventado por um puto de nove anos para designar o número 1 seguido de 100 zeros.



3 de julho de 2009

Arenas epistémicas *

Resisto à republicação aqui da célebre imagem do ministro Pinho . Ela valha mais que as mil palavras que eu pudesse escrever sobre o assunto. Ainda, tentarei escrever algumas em jeito de contrapeso.
O ministro Pinho diz de si próprio que não é um político profissional e isso a gente já sabia. Falta-lhe aquele jeitinho especial para insultar os seus pares dentro das regras protocolares e a seguir vamos almoçar todos juntos e não se fala mais nisso. Políticos profissionais não se expõem assim e, mesmo quando o fazem há sempre uma cobertura desculpabilizante ou atenuante. Cavaco pode defender o gangue da banca, Manuela pode proferir as maiores tangas sobre a PT, o Citigroup, Jardim pode insulatar todo o "contenente", para só falar de alguns, que isso não fará mossa política. Dois deputados, em plena sessão, podem desafiar-se para resolverem as coisas "lá fora" (entenda-se, à porrada) e continuarem como se nada fosse e a fazerem parte de novo das listas porque as brumas da memória são verdadeiras muralhas de aço e já ninguém se lembrará. Santana fez a figura que fez na Câmara de Lisboa e como primeiro ministro e aí está de novo candidato à mesma autarquia numa espécie de virgindade recauchutada.
A imagem do ministro ontem no parlamento ficará gravada na memória e sempre que ele aparecer na política ela será reeditada. Dificilmente será chamado ao desempenho de um cargo político relevante.
Fiquei a pensar que se fosse assim para todos, se houvesse uma imagem tão forte como a do Pinho de indicadores espetados, ou da anedota do alumínio do Borrego, muitos dos políticos que por aí andam, e que muito mais mal já fizeram à coisa pública do que estes infelizes que foram obrigados a demitir-se, já estariam a fazer outra coisa ou simplesmente a viver dos rendimentos.
Paulo Portas daria seguramente um bom técnico de reprografia depois das 60 mil fotocópias à saída de ministro da defesa; Cavaco devia ter continuado a multiplicar as suas poupanças enquanto os amigos estavam todos no BPN/SLN e isso dava-lhe para uma vida desafogada sem essa maçada de ser PR e correr o risco de cada vez que abre a boca ter que evitar que entre mosca; Ferreira Leite fazia uma joint venture com o Citigroup e a taróloga Maya e abria uma tenda de consultoria financeira, quirologia, curas milagrosas e previsão meteorológica que são actividades nas quais se pode dizer o que vem à cabeça sem que se possa comprovar que se mentiu. E aceito sugestões para empregar condignamente mais uns quantos.

O ministro da economia, provavelmente não tinha muitos indicadores económicos para mostrar. Mas o seu gesto releva de um profundidade e dum saber imenso. Sem discursos sobre a política da verdade, ele é, e traduz, a verdade da política.
Ele mostra os indicadores do real estado da nação: uma verdadeira tourada!

Notícias de última hora dão conta de que a Associação Animal já convocou uma manif de protesto contra as touradas na Assembleia da República e a empresa Unilever (grupo Jerónimo Martins), em reconhecimento pelo extraordinário aumento de vendas de farinha Maizena motivado por Pinho, atribui-lhe um lugar de membro honorário no Conselho de Marketing e Publicidade Disfarçada


*Este título não tem nada a ver com as teorias com esse nome desenvolvidas por Knorr-Cetina... ou talvez tenha; há mais ciência política num simples gesto que em muitas horas de discussão par(a)lamentar.