Mano. Desculpa lá esta franqueza, mas às vezes não me lembro de ti. Penso que isso não é bom nem mau; é, talvez, apenas o resultado de não nos termos vivido e crescido como irmãos no seio de uma família com pouco espaço para a construção colectiva, sobretudo de experiências lúdicas. Quando nasceste eu já era crescido e tive que aprender a tomar conta de ti. Mas ainda era criança e queria brincar e tu metias-te por dentro das brincadeiras dos rapazes mais velhos e eles aborreciam-se comigo. Mesmo assim não me zangava porque tu era pequeno de mais para ter culpa e lá íamos os dois para casa. Depois foste para a escola e eu para a cidade estudar. E depois trabalhar para longe e de novo estudar até sair em direcção ao sul.Não me lembro de nada que tivéssemos feito juntos, depois dos teus dez anos.Um dia voltei a casa e percebi que tinha um irmão quase adulto e nunca soube muito bem consertar isso. Se calhar contigo acontece o mesmo. Mas eu sou o mais velho cabe-me a mim dar esse passo.
Fazes hoje quarenta e cinco anos e quase me esquecia. Lembrei-me de ti ontem e liguei-te para saber saber como estavas da nossa maleita comum - dores nas costas - e gostei que me tivesses convidado para almoçar, mesmo sabendo que eu não iria estar. Hoje quando liguei de propósito à hora do almoço para te dar os parabéns tinha consciência de que era também para me sentir aí. Em família.
Sabes, mano? Há algum tempo comecei a descobrir uma outra família que também, por sua vez, me foi descobrindo e adoptando. Entrei por dentro das relações de irmãs e das formas de afecto com que existem umas com as outras e, até quando às vezes quase se zangam, me fazem ter inveja. Eu que também tenho um irmão e não me lembro de alguma vez me ter zangado com ele.
Estou convencido, mano, que crescemos os dois filhos únicos.
Puto! Toma lá um abraço do mano velho!
1 comentário:
Tudo na vida se consegue inverter, mesmo que com dificuldade :)
Beijo
~CC~
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