Viveu os seus anos todos a misturar a sua vida com a terra e as searas e as vinhas e as oliveiras sem medo do sol do estio ou o rigor das geadas. Ria-se das agruras convencido de que tudo isso o "enrijava". Homem do campo, trabalhava até ver e à noite - durante alguns anos à luz do candeeiro a petróleo - lia esteiros e fangas e gaibéus em searas de vento. E também Gorki e Zola e Steinbeck e Amado. Pequeno, saltava-lhe para o colo e queria saber o que diziam os livros. Cedo levou-me à biblioteca da Sociedade Filarmónica e ainda hoje tenho na memória o cheiro dos livros e o fascínio das lombadas alinhadas. Fez apenas a instrução primária, mas deve ter lido muito mais do que a maioria dos licenciados de hoje. Brincávamos ao jogo de dizer as capitais de todos os países do mundo...
Um dia escreveu uma carta ao ministro da educação a pedir uma bolsa para que o filho pudesse estudar.
Ensinou-me tudo o que foi necessário para que pudesse continuar a aprender.
Misturou-se definitivamente com a terra na passada segunda-feira e no seu humor muito particular não teria deixado de fazer uma graça com o facto de ir para a terra com a alma encomendada aos céus.
Era o meu pai.
https://www.youtube.com/watch?v=PzeQwBTbOpw
19 de março de 2015
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1 comentário:
Lembro-me do teu pai, um dia quando visitamos a tua família nos anos 80, tempos do Dar de Vaia e dos afetos de juventude envoltos em cultura. Recordo a ida a uma adega para o ouvir falar de uvas, vinho e terra sanguínea, num desejo vívido de estar presente. De certeza que provamos o vinho e provavelmente trouxemos o néctar engarrafado de saberes ancestrais do ribatejo.
Para pais assim, só textos como o teu podem fazer um pouco de justiça.
Abraço do Helder.
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