5 de janeiro de 2012

No rasto de outros poetas

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Gunnar Harding nasceu na Suécia em 1940, foi músico de jazz , estudou pintura e aos 27 anos iniciou-se na escrita.
















Achei este poema traduzido em inglês porelo novaiorquino Roger Greenwald. Não vi o original em sueco e, mesmo que o visse, ficaria com a mesma dúvida e a mesma fantasia: o que acontece a um poema depois de passar por várias línguas e tradutores? como voltaria ele à língua em que foi escrito?




Eu gosto das palavras em várias línguas e gostaria de saber mais dessas línguas todas para ler a história que cada palavra conta na sua singularidade.












A cidade perfeita
(a partir da versão em inglês de Roger Greenwald)




Uma quarta-feira três voos para fevereiro
ela tinha feito a cama com lençóis limpos,
abertas as cortinas,
da janela donde não se vê o céu
mas um outro edifício.


Havia uma tempestade que passou.
Tanto sangue em movimento
através dos seus corpos.


Ela flutua nos seus cabelos em cascata.
A cidade lá fora está vazia,
perfeita e vazia.
No seu centro fica a sua casa,
tecendo silêncio pelas ruas.



A escuridão dos poços espera
ser içada, vir acima
em baldes silentes
mas a frieza do mármore não se pode apagar.


Estamos apenas no início da história.
Um dia o sangue fluirá a partir da brancura.





The Perfect City
Translated by Roger Greenwald



One Wednesday three flights up in February
she had made the bed with clean sheets,
drawn the curtains,
for the window did not face the sky
but another building.


There was a storm that passed through.
So much blood in motion
through their bodies.


She floats amid her cascading hair.
The city outside is empty,
perfect and empty.
At its center stands their house,
casting silence through the streets.


Darkness waits in wells
to be hauled up, hauled upin
silent buckets
but the coldness of marble cannot be quenched.


We are only at the beginning of the story.
One day blood will flow from the whiteness.


Gunnar Harding





3 de janeiro de 2012

De mim para ti




i carry your heart with me (i carry it in
my heart) i am never without it (anywhere
i go you go,my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
i fear
no fate (for you are my fate, my sweet) i want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you



here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life;which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart
i carry your heart(i carry it in my heart)






E. E. Cummings





trago comigo o teu coração (trago-o dentro do
meu coração) nunca estou sem ele (onde quer
que eu vá, tu vais, minha querida; e tudo que é feito
apenas por mim és tu que o fazes, minha querida)
não temo
nenhum destino (pois o meu destino és tu, doçura) não quero
nenhum mundo (para beleza és o meu mundo, minha verdade)
e és tu tudo o que uma lua sempre significou
e aquilo que um sol sempre cantará és tu



eis o mais profundo segredo que ninguém conhece
(eis a raiz da raiz e o botão do botão
e o céu do céu de uma árvore chamada vida; que cresce
maior do que a alma pode esperar ou a mente pode esconder)
e esta é a maravilha que mantém as estrelas separadas
trago comigo o teu coração (trago-o dentro do meu coração)



(tradução minha)






Foi na hora

The hour é uma série a passar na Fox Life que desenrola uma trama de jogos de poder, espionagem, sedução e jornalismo no interior da BBC dos anos 50. Talvez a passasse em branco, não fora os nossos serões conjuntos em que o comando da televisão só trabalha para as séries da Fox Life e um ou outro telejornal, mas passei a seguir esta interessante série e até já sei o dia em que dá. A minha rapariga também me aconselha a que dá a seguir, mas isso já é muito para mim e enquanto essa corria, fui procurar um poema do Cummings que o Freddie diz à Bel, do qual retive o último verso: nobody, not even the rain, has such small hands.
O Google deu-me o que queria e mais uma tradução brasileira e uma versão musicada e cantada por Zeca Baleiro. Da tradução que encontrei que não gostei particularmente e resolvi meter-me a um atrevimento que ainda não tinha ousado. Assim, com ajuda do Oxford Advanced Learner's Dictionary e de algumas ferramentas electrónicas fui-me a ele.



Imagem daqui


somewhere i have never travelled,gladly beyond

somewhere i have never travelled, gladly beyond
any experience, your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near

your slightest look easily will unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully,mysteriously) her first rose

or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully, suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;

nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility: whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(i do not know what it is about you that closes
and opens;only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody, not even the rain, has such small hands


(E. E. Cummings)


algures, aonde nunca fui, para além do prazer
de qualquer experiência, os teus olhos revelam o silêncio:
no teu mais frágil gesto há coisas que me prendem
ou que não consigo tocar por estarem demasiado perto

o teu mais leve olhar liberta-me facilmente
apesar de me ter fechado como os dedos,
tu abres-me sempre pétala a pétala tal como Primavera abre
(tocando hábil, misteriosamente) a sua primeira rosa

ou se o teu desejo é fechar-me, eu e
a minha vida fechar-nos-emos em beleza, de repente,
tal como o coração desta flor imagina
a neve a descer cuidadosa em toda a parte;

nada do que podemos perceber neste mundo iguala
o poder da tua intensa fragilidade: cuja textura
me obriga com a cor dos seus países,
a trocar a morte e a eternidade em cada respiração.

(não sei o que há em ti que fecha
e abre; apenas algo em mim compreende
que a voz dos teus olhos é mais profunda do que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas


Isto não é nada fácil e, além do mais, não sei assim tanto inglês para me armar em tradutor, ainda por cima de poesia. Há algumas ideias de difícil apreensão no original e não tenho nada a certeza de ter encontrado o equivalente em português. Ainda assim, gosto do resultado e sobretudo da aprendizagem que é esta experiência de traduzir poesia.

2 de janeiro de 2012

Doze passas

Sou muito mau para rituais. Talvez por isso me sinta sempre do lado da subversão, até daqueles mais inocentes. Vale o tempo de encontro com famílias e amigos, o tempo que passamos à mesa, lugar de excelência para brotarem grandes ideias. Já tenho chamado a estas refeições "seminários" porque muitas vezes é o que verdadeiramente acontece pelo meio de comida tão interculturalmente variada que pode ir do caril de camarão à açorda de bacalhau, das rabanadas ao cheesecake, do vinho de Pias ao de Palmela, do CR&F ao Armagnac. Trocam-se saberes marinheiros, agricultores, literários por histórias de viagens e receitas de cozinha e outras.
O resto cumpre-se, por mim sem convicção nenhuma, porque dos rituais só acho graça mesmo é à sua coreografia.
A coreografia da passagem de ano é algo confusa e reveste-se de demasiada complexidade para que a aprenda, de modo que fico-me por uma versão mais simplificada apenas para celebrar a festa.
Celebro a entrada no novo ano com um abraço a cada um dos presentes com o desejo sincero de que tenham a saúde, a força e a inteligência para vencer os obstáculos (são tantos) e ainda lhes sobre o suficiente para ser felizes. Também toco os copos e como as passas, mas sem isso também passava.
Não me entendo muito bem com esse enredo de associar um desejo a cada passa. Não sei guardar desejos assim para um dia, ou uma noite, e lembrar-me deles todos em cerca de um minuto. Nunca consegui juntar doze desejos, de modo que sobram sempre passas.
É claro que tenho desejos, aspirações, votos, projectos, vontades... E desejo ser uma pessoa melhor, ser capaz de amar mais, ser mais generoso com os outros, saber mais, ter mais tempo para dedicar ao mundo... E isso é também coisa de todos os dias, tirando aqueles dias em que não me apetece nada, porque também os tenho.
Este ano, fingindo que acredito nessa energia concentrada que ajuda a realizar desejos, juntei as passas todas para o efeito ser mais forte, meti-as todas de uma vez na boca e engoli-as com meio copo de champanhe com uma ideia na cabeça:
"Que bom seria que este mundo mudasse e deixasse de ter lugar para os que nos têm vindo a empobrecer materialmente e, sobretudo, a matar-nos a esperança".