21 de abril de 2011

A carroça



A nossa comunicação social adora o repet mode. Diria até que veneram o lugar comum e a frase feita e a formulação discursiva automática. E oca. Não sei em donde isto vem, mas admito que poderá ser influência de alguma liturgia à mistura com futebolês. A cada dois minutos de notícias pode sair, sete vezes repetido, o vocábulo troika. Escrevo assim com k, embora a grafia portuguesa acordada consigne a forma troica, para manter a proximidade ao seu significado original. A palavra em russo significa trenó grande puxado por três cavalos. Cá não se usa disso. Os veículos de tracção animal (devo estar a citar o João Catatau das lições de código) por cá têm rodas que é um dispositivo redondo inventado muito antes do FMI e são puxados geralmente por seres chamados bestas. Há também os carros puxados por uma junta de bois, mas esses são muito lentos e fazem uma bucólica chiadeira. Depois há, carroças, galeras com fueiros e sem fueiros. Nas versões urbanas, e sempre puxadas por cavalos, podemos recordar o barouche, a caleche, a biga (em italiano biga mia), a charrete, a carruagem, o coche e por aí fora. Havia quem andasse na berlinda e a coisa com nome mais longíquo que por cá apareceu terá sido a britzka e uma coisa que não sei o nome mas que foi logo baptizado de carro americano que andava sobre carris puxado por cavalos e antecedeu os carros eléctricos.
A história não reza, mas é possível que ainda antes da haver Portugal tenha cá vindo uma delegação de Roma cobrar impostos a este povo que, diziam, nem se governava , nem deixava governar. Nessa altura, os arautos iam de terra em terra e deviam anunciar a vinda da quadriga, que era o carro muito na moda em toda a Roma antiga. Agora temos troika, não rola, desliza, mas precisa de neve.
Como é possível mandar uma troika para Portugal onde praticamente não neva e muito menos no Terreiro do Paço?
As notícias não dizem, mas vê-se pela cara deles quando são filmados à saída do ministério das finanças, que os senhores estão muito angustiados e parece que até já pediram apoio psicológico. O contacto com a situação portuguesa não é fácil, mesmo para pessoas habituadas a lidar com a frieza dos números. Quando viram o valor real dos salários mais baixos e das pensões miseráveis e o compararam com os rendimentos mais elevados começaram a ficar agastados. Quando os diligentes técnicos do ministério lhes disseram que a ideia era dar mais uns cortes, sentaram-se e pediram um copo de água. Parece que estiveram quase a chamar o INEM, mas contiveram-se para que eles não julgassem que vivemos no luxo.
Até tinha a sua graça. A troika ia de padiola.

1 comentário:

HFR disse...

Muito bom. Fez-me recordar a célebre caleche de Pifagor Pigaróvitch Tchertokútski, um híbrido de britchka e carroça, do latifundiário rural criado magistralmente no conto "A Caleche" de Nikolai Gógol. Tal como a Troika, aquela caleche não tinha nada de especial, nem valia 2000 rublos...