Ai Jesus que o Saramago, blasfemo e comunista, anda a dizer da bíblia o que o diabo nunca disse da cruz, pelo menos quanto se sabe, por uma leitura mais ou menos atravessada do sagrado e idolatrado livro dos livros na opinião dos cristãos, incluindo aqueles que dele nunca leram sequer uma linha, para não dizer um versículo que é a taxonomia usada em documentos tais, para designar parágrafos mais ou menos curtos onde, na maior parte das vezes nem sequer se exprime uma ideia completa, ai Jesus, vá de retro Saramago, que o povo ainda começa a ler a bíblia sem o auxílio dos tradutores oficiais e sem os explicadores de catequese e ainda descobre que a coisa é bem mais do que redutoramente diz o nobel, e bem mais do que nos contam os doutrinadores, porque também há lá muita poesia e muita loucura e se a gente lê aquilo com espírito aberto, também se arrisca a sair de lá mais rico de espírito e chegar à iluminada conclusão de que as escritas têm tanto de sagrado como o cancioneiro de Rodney Galop, e tal como este podem ser tocadas, retocadas, parodiadas e etc e tal e quem diz o contrário é soberba e divinamente parvo.
É por isto que admiro o Saramago. Tentei escrever um parágrafo à laia dele e fiquei cansado para uns bons dias. E depois dizem-me que eu escrevo pouco e mais não-sei-quê. Mas é por isso. Simplesmente. Se eu fosse a escrever o que quero e como gosto ficaria muito cansado. Só de pensar nisso já é o que é. Por isso é que escrevo pouco.
Mas esta parva polémica que tanto anima as sacristias e as televisões também me espevita a verve.
Para mim, o que está em causa não é o que Saramago diz e com o qual até posso não concordar. O que está em causa é poder dizê-lo. Poder dizê-lo com a mesma displicência ou arrogância com que muitos dos agora ofendidos dizem, referindo-se à sua obra, Saramago é uma merda. Já o ouvi várias vezes, sabendo que quem o diz, ao contrário do que Saramago faz em relação à bíblia, não leu nada dele. Mesmo assim, não se coibem de tecer considerações formais sobre a escrita, a pontuação, etc.
Eu já li uma boa parte dos livros que constituem a bíblia. Já li um quase tratado sobre a leitura da bíblia - A leitura infinita, do padre e poeta José Tolentino de Mendonça - e quanto mais leio, mais me interrogo sobre o fenómeno que constitui a crença religiosa. Interrogo-me se os crentes lerão o mesmo que eu. Só consigo ver ali um repositório de histórias, algumas interessantíssimas outras absolutamente imbecis, outras de uma extraordinária fantasia.
Gosto particularmente do Livro de Salomão, cântico de amor que me parece ser o arquétipo da poesia amorosa retomado ao longo dos tempos. Também me diverte o delírio fantasioso que é o Apocalipse, segundo S. João. Dizem os entendidos que apocalipse significa revelação. Vale a pena ler. É talvez o mais fiel testemunho de que já em tempos muito recuados havia quem se entregasse ao uso de determinadas substâncias alucinogénias. Consta que uma determinada espécie vegetal , cultivada há mais de quatro mil e quinhentos anos ali para o médio oriente teria um teor de THC especialmente elevado. A avaliar pela fama que há uns anos tinha o chamon libanês, talvez seja assim mesmo.
22 de outubro de 2009
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2 comentários:
Chama-se a este "saramogismo" manobra de marketing?
E eu gosto muito dos livros do José Saramago que comecei a ler com uns 20 anos, e cuja obra sempre realcei e fiz a promoçao num programa de radio semanal aqui em França...
E por outro lado, nunca fiz nem farei publicidade para a Biblia...
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