Contava
gaivotas. A praia tem uma zona húmida onde à tardinha elas pousam. Não pousavam
para ficar. Estão sempre em movimento e é difícil registar. Contou 16, mas
passados uns segundos esse número já não estava certo.
Uma pequena
distracção neste ofício permite-lhe ver que alguém se aproximava. Não era
gaivota, mas tinha tudo de ave e foi com essa ave que voou na hora em que o sol
se punha.
(exercício de
escrita automática após a acção – SBA, 20Nov2024)
Esta alma não é
uma crença ou aquilo que a crença dita. Essa destitui-nos e, em vez de essência,
parece querer ocupar-nos o corpo. Uma espécie de colonização vinda de não se
sabe onde, em nome de algo que nos é estranho. A alma é a essência, aquilo que
um corpo é. Em latim, o termo para alma é anima. O corpo mexe-se; tem em
si um movimento essencial que é visível, mesmo na mais conseguida imobilidade.
Ao movimento chama-se, em latim, animatio.
É assim que os
corpos falam quando se mexem e quando se detém parados.
Estáticos. Presença física, energia, emoções, intenções.
Extácticos. Experiência estética do corpo em movimento.
Diz-se que podem
contar histórias. Talvez sejam apenas história. E por isso, impossíveis de
traduzir em palavras.
O espaço enche-se
de corpos que vão muito para além das suas dimensões, do seu peso. O movimento
amplia e encolhe os corpos. O corpo em movimento abre razões oblíquas entre o
espaço e o tempo.
E lembro palavras
que me desenham formas justas:
We love the things we love for what they are. (Robert
Frost)
Poetry is what gets lost in translation. (Robert Frost)
A verdadeira
mão que o poeta estende
não tem dedos:
é um gesto que se perde
no próprio acto de dar-se
O poeta
desaparece
na verdade da sua ausência
dissolve-se no biombo da escrita
O poema é
a única
a verdadeira mão que o poeta estende
E quando o
poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta