Sei onde estava no 25 de abril.
Liguei o rádio quando acordei, como fazia todos os dias e, em vez das notícias que ia ouvindo enquanto me despachava para ir para o liceu, só transmitiam marchas militares. Tinha na memória de uns anos antes a rádio também se ter calado e só transmitia música sacra; foi quando morreu o Salazar. A ideia imediata foi deve ter morrido algum gajo militar importante, talvez o Thomaz e continuei pelo pequeno almoço à pressa e a saída a correr porque a carreira do Manel Neto não esperava por atrasados.
O rádio do autocarro continuava a debitar músicas que lembravam filmes de marines e pontes do rio Kuai até que se ouve uma voz de alguém que não era seguramente locutor conhecido da rádio: aqui posto de comando do movimento das forças armadas... e tudo o mais que se conhece. Golpe militar, pensei. E pensei o pior. Pensei nas informações que corriam sobre uma certa oposição de extrema direita ao Marcello Caetano, ao que constava, liderado por Alpoim Galvão. Mas também pensei que se fossem esses, não se davam ao trabalho de recomendar calma à população e prometer que seríamos informados logo que a situação se normalizasse.
Quando entrei na aula já a professora Lília dançava a valsa com Heideggar ou Kant e eu a perguntar se alguém sabia o que se passava e ela a querer expulsar-me e eu a perguntar-lhe se ela não tinha nenhuma ideia melhor no momento em que estava em curso um golpe de estado em Portugal. A aula acabou logo ali e fomos todos, muitos, para a frente da Escola Prática de Cavalaria. Ninguém sabia que tinha sido precisamente dali que tinha saído a coluna militar comandada por Salgueiro Maia.
Depois começaram a chegar notícias e a gente a encher as ruas de riso e abraços e a gritar liberdade. E foi sempre isto que eu achei que era a revolução.
Páro aqui. Vou abraçar abril e o futuro.