A Marlene era uma adolescente dos seus quinze ou dezasseis anos, loira oxigenada e brilhava nas festas das vindimas a dançar ié-ié com o Fialho no palco da Mesericórdia. Eu era dos poucos que sabiam que ela passava os seus dias fechada num escritório a lançar facturas e a dactilografar ofícios.
Aos onze anos, fui trabalhar para a loja que tinha tudo o que havia para vender. Atendia os fregueses ao balcão que pediam desde parafusos com cabeça de embeber dum tamanho que era uma esquisita fracção de polegada (do tipo 6/38) a uma mão de papel almaço.
De vez em quando lá ia ao pé da Marlene que me tinha quase adoptado e até me queria arranjar uma namorada que era uma amiga sua chamada Teresa e que trabalhava no escritório de um armazém de vinhos ali ao pé. Um dia, estava a escrever à máquina e enganou-se. Soltou umas pragas e raios te partam, mas não parecia muito chateada com o sucedido. Vi-a abrir a gaveta da secretária e tirar uma espécie de selo rectangular e dizer-me que aquilo era mágico. E a seguir premiu duas ou três vezes a tecla de retrocesso, colocou o selo sobre o papel, voltou a bater as mesmas letras com muita precisão e, magia!, onde estava um erro ficou o papel em branco e podia escrever-se de novo.
O selo de papel que utilizou tinha escrito de um dos lados várias vezes a palavra RADEX.
Aprendi aquela palavra mágica e voltei a lembrar-me dela anos mais tarde quando dactilografava os primeiros trabalhos académicos. Hoje nas arrumações caiu-me de entre papeis velhos um pequeno envelope com meia dúzia de selos correctores mágicos
RADEX. É um produto da marca
KORES, diz que "elimina erros dactilográficos" e duvido que alguém ainda consiga comprar.
Nunca mais vi a Marlene. Acho que voltou para a França que a viu nascer e onde tinha os pais emigrados. Provavelmente, hoje escreve num computador, mas tenho a certeza que não será mulher para utilizar corrector no ecrã como já ouvi numa anedota.