Um dia dei com um poema que me chamou a atenção pelo que nele há de paradoxal e, para além das reflexões que fiz sobre as coisas que fazemos no dia-a-dia e não reparamos, pensei logo levá-lo para as aulas de comunicação e relação. Faz-me pensar em tudo o que fazemos sem ter em conta a situação particular do outro, mas, pior, como se o outro visse e pensasse o mundo como cada um de nós o vive e pensa. É um poema de uma poetiza polaca já falecida e que foi prémio Nobel em 1996. Chama-se Wislawa Szymborka (1923-2012).
Há uma tradução brasileira, mas fiz uma nova a partir da versão em inglês traduzida do polaco por J. Kostkowska.
A gentileza dos cegos
Um poeta lê para os cegos.
Ele não suspeitava de como era tão difícil.
A sua voz falha. As suas mãos tremem.
Ele sente que aqui cada frase
fica sujeita à prova da escuridão.
Ela terá de valer por si própria
sem luzes ou cores.
Uma aventura perigosa para as estrelas do seu poema,
para o amanhecer, para o arco-íris, para as nuvens, para os néons, para a lua,
para o peixe, até agora tão prateado, dentro de água,
e para o gavião tão silenciosamente alto no céu.
O poeta lê – já é demasiado tarde para parar –
sobre um menino de casaco amarelo no verdejante prado,
os telhados rubros que salpicam o vale,
os movimentados números nas camisolas dos jogadores
e a desconhecida nua na porta entreaberta.
Ele gostaria de não mencionar – embora já não possa –
todos aqueles santos no tecto da catedral,
aquela onda de adeus na janela do comboio
a lente do microscópio, o raio de luz na pedra preciosa
o ecrã do cinema, e os espelhos, e os álbuns de fotos.
Ainda assim é grande a gentileza dos cegos,
grande a sua compaixão e generosidade.
Eles escutam, sorriem e aplaudem.
Um deles até se aproxima
com um livro de cabeça para baixo
a pedir um autógrafo invisível.
A poet is reading to the blind. He did not suspect it was so hard. His voice is breaking. His hands are shaking. He feels that here each sentence is put to the test of the dark. It will have to fend for itself without the lights or colors. A perilous adventure for the stars in his poems, for the dawn, the rainbow, the clouds, neon lights, the moon, for the fish until now so silver under water, and the hawk so silently high in the sky. He is reading - for it is too late to stop - of a boy in a jacket yellow in the green meadow, of red rooftops easy to spot in the valley, the restless numbers on the players' shirts, and a nude stranger in the door cracked open. He would like to pass over - though it's not an option - all those saints on the cathedral's ceiling, that farewell wave from the train window, the microscope lens, ray of light in the gem, video screens, and mirrors, and the album with faces. Yet great is the kindness of the blind, great their compassion and generosity. They listen, smile, and clap. One of them even approaches with a book held topsy-turvy to ask for an invisible autograph.
10 de setembro de 2015
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