Agá... de Horizonte
E será apenas e tanto como o que a vista alcança.
A linha da água desenha-se curva quando se vê longe e o olhar é largo.
E lembro assim Pessoa:
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mysterio,
Abria em flor o Longe, e o Sul siderio
'Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se approxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distancia imprecisa, e, com sensiveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte-
Os beijos merecidos da Verdade.
9 de setembro de 2004
Guê... de Gaivota
A chuva matinal tinha apagado os rabiscos pegados de caminheiros e abóboras sedentárias que habitualmente se entoldam de unguentos a cheirar a pomares.
A preguiça do sol clama uma espécie de pré-aviso outonal e sossega as marés que se esforçam por mostrar bons modos à clientela sazonal.
Há uma nortada gentil a pentear as dunas e a calar alguns segredos do último pôr do sol. Esse vento meigo, capaz de se parar por um momento só para branquear a crista duma onda, traz-me uma longínqua gaivota que, vim a saber depois de uma curta conversa circunstancialmente piada, ainda é parente de um tal Fernão.
Quis saber-lhe o nome. Piou-me, pois, numa tessitura cristalinamente sustenida, “NumSei”. O arrastamento das vogais e o ligeiro portamento descendente no fim denunciava-lhe uma latitude distante. E o olhar também.
Ainda discutimos, aí durante uma dúzia de ondas, sobre que importância teria ser daqui ou dali, mas acho que foi só para lhe escutar o piar em arpejos coloridos, até porque, para mim que não me sinto de sítio nenhum, basta-me saber-nos capazes de habitar o mesmo mundo.
Foi então que me sorriu pela primeira vez e me disse: “Arribei aqui por causa das letras que desenhaste nas ondas... Vim ajudar-te”.
Só então me lembrei do alfabeto das águas e sons enfiados direitinhos como missangas ou bóias que os pescadores usam nas redes.
“Se não pensas galgar letras...”, disse, “segue-se o Guê de Gaivota!”
A seguir grasnou qualquer coisa que seria entre dentes se não fosse ave e que me pareceu:
“(Grande responsabilidade é
Esta letrita guê, de dupla sonoridade, a maGana. E dá-me gana!)”
Enfiou depois um ar solene, daqueles que num humano seriam logo denunciados pela tensão posta nas comissuras labiais, mas aí o bico tem algumas vantagens e quase me enganou.
Recitou-me, então, como numa prece (foi o que me pareceu):
“Galgando upa upa galopando as letras mareadas
Gostar. Gota a gota no suor
De cada guia…
Galhe-nos deus e outros galináceos
Gerados no ventre goraz
de devotas gaivotas
gracejando
guizos
Gozai por nós”
Depois ficámos ali a rir enquanto o sol se punha, e a falar de coisas e viagens inacabadas como a própria conversa que fomos tricotando.
Acordei pela manhã sozinho, por isso não sei se isto não foi mesmo um sonho...
Aughhh!... Tenho uma pena na garganta.
A chuva matinal tinha apagado os rabiscos pegados de caminheiros e abóboras sedentárias que habitualmente se entoldam de unguentos a cheirar a pomares.
A preguiça do sol clama uma espécie de pré-aviso outonal e sossega as marés que se esforçam por mostrar bons modos à clientela sazonal.
Há uma nortada gentil a pentear as dunas e a calar alguns segredos do último pôr do sol. Esse vento meigo, capaz de se parar por um momento só para branquear a crista duma onda, traz-me uma longínqua gaivota que, vim a saber depois de uma curta conversa circunstancialmente piada, ainda é parente de um tal Fernão.
Quis saber-lhe o nome. Piou-me, pois, numa tessitura cristalinamente sustenida, “NumSei”. O arrastamento das vogais e o ligeiro portamento descendente no fim denunciava-lhe uma latitude distante. E o olhar também.
Ainda discutimos, aí durante uma dúzia de ondas, sobre que importância teria ser daqui ou dali, mas acho que foi só para lhe escutar o piar em arpejos coloridos, até porque, para mim que não me sinto de sítio nenhum, basta-me saber-nos capazes de habitar o mesmo mundo.
Foi então que me sorriu pela primeira vez e me disse: “Arribei aqui por causa das letras que desenhaste nas ondas... Vim ajudar-te”.
Só então me lembrei do alfabeto das águas e sons enfiados direitinhos como missangas ou bóias que os pescadores usam nas redes.
“Se não pensas galgar letras...”, disse, “segue-se o Guê de Gaivota!”
A seguir grasnou qualquer coisa que seria entre dentes se não fosse ave e que me pareceu:
“(Grande responsabilidade é
Esta letrita guê, de dupla sonoridade, a maGana. E dá-me gana!)”
Enfiou depois um ar solene, daqueles que num humano seriam logo denunciados pela tensão posta nas comissuras labiais, mas aí o bico tem algumas vantagens e quase me enganou.
Recitou-me, então, como numa prece (foi o que me pareceu):
“Galgando upa upa galopando as letras mareadas
Gostar. Gota a gota no suor
De cada guia…
Galhe-nos deus e outros galináceos
Gerados no ventre goraz
de devotas gaivotas
gracejando
guizos
Gozai por nós”
Depois ficámos ali a rir enquanto o sol se punha, e a falar de coisas e viagens inacabadas como a própria conversa que fomos tricotando.
Acordei pela manhã sozinho, por isso não sei se isto não foi mesmo um sonho...
Aughhh!... Tenho uma pena na garganta.
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