22 de junho de 2010

SCUT zé ninguém

Oiço as notícias de buzinões e outras comichões de reacção à introdução de portagens das SCUT e não posso deixar de pensar numa espécie de remake do filme que viria a apear Cavaco e o PSD do governo. Estávamos em 1994 e já tinha havido a crise do feriado do Entrudo e a coisa começou com uma buzinas e acabou com a ponte bloqueada por camiões carregados, cargas policiais e um jovem paralizado por uma bala perdida. E tudo em directo, pelas rádios e televisões. O Presidente não dissolveu a AR e o governo não caiu, mas nas eleições a seguir o PSD caiu da maioria absoluta para a oposição e o Cavaco hibernou durante dez anos para preparar a sua candidatura a Belém, com excepção de raras aparições para que o povo não esquecesse a tabuada.
O que se está a passar não augura nada de bom. Há uma série de grupos organizados de interesses com grande pó a este governo e em especial ao Sócrates e não perderão a oportunidade de produzirem grande estrago. Há dias uma "greve" dos transportadores para terem combustíveis subsidiados falhou porque não interessava aos camionistas, mas contra as portagens os interesses podem muito bem convergir.
Em suma, o governo está metido numa alhada e será preso por ter e por não ter cão, com tantos a morder-lhes as canelas. Com a inevitável agitação social e Cavaco com contrato de arrendamento do palácio de Belém renovado só não dissolve o Parlamento se a crise ainda for demasiada para a camioneta do PSD. Sinceramente, não acredito que o PSD queira ou seja capaz de governar, mesmo que consiga ganhar as eleições à vontade.
Agora as portagens.
Não me parece que haja alternativa. Vai haver portagens. Com PS ou com PSD. Mas a questão fundamental não é essa, do meu ponto de vista.
No tempo do Cavaco primeiro ministro entrou dinheiro a rodos em Portugal e o que aconteceu foi um maná para as empresas de obras públicas. Foram as pontes para o futuro, as Lusopontes e as Brisas de sucesso e, apesar de tanto dinheiro Social Europeu o resultado dos negócios foi uma factura para pagarmos a seguir. O PS veio a seguir e fez mais ou menos o mesmo e agora é que está aflito. Ou seja, aflitos estamos nós pagantes.
O que está errado não é pagar portagens. É ser obrigado a pagar por não ter alternativa.
O conjunto dos impostos associados aos meios de transporte (IA, IVA, IUC e ISP) só fazem sentido se forem utilizados para proporcionar condições satisfatórias de circulação e de segurança rodoviária. As autoestradas pagas deveriam representar uma opção por uma qualidade extra de velocidade e segurança. Ora o que acontece é que o Estado gasta o dinheiro dos impostos noutras coisas em vez de criar e melhorar as vias normais de circulação.
Não o fazendo, o Estado faz duas coisas: prima, opera grandes negócios com grupos privados onde não é de estranhar que no meio de tantos milhões de derrapagens haja alguns que derrapem para bolsos privados e sempre se arranja um lugar para quando se sai do governo; seconda, como não deixa alternativas viáveis, obriga os condutores a serem clientes das autoestradas para garantirem a rendibilidade do investimento, mesmo quando os contratos já prevêm cláusulas compensatórias quando essa rendibilidade baixa.
Assim, onde deveria haver boas vias de comunicação, sem rotundas e dupla via quando isso se justifique constróem-se autoestradas que, ou não eram necessárias ou não cumprem mais do que o normal de uma estrada nacional (engarrafamentos em muitos troços, reduções de velocidade, alta densidade de tráfego) pela qual se paga.

Os liberais gostam de se embriagar com o "princípio do utilizador-pagador" e com isso pretendem justificar a justeza das portagens. No entanto, quem paga nas portagens já pagou também para a estrada por onde não vai, muitas vezes porque ela não existe ou não tem condições mínimas. É neste sentido que acho que devia aplicar-se o "princípio do pagador-utilizador". Quem paga adquire direito a um serviço. Neste caso dos impostos, um direito a um serviço a ser usado por todos.
O Estado o que faz muitas vezes são investimentos não necessários para o bem colectivo, mas altamente favoráveis a meia dúzia de grupos económicos e, ainda por cima arranja forma de proteger os negócios dos privados com quem emparelha.

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