16 de março de 2006

Quando Natália corria...




As Hespérides são moças algarvias

No Garb realça o azul deuses morenos
À doçura dos figos submetidos.
Vieram gregos. Ficaram Sarracenos.
Nardos enfolham seus nomes esquecidos.


À noite ordenham luas nos terraços,
Dão leite á sombra. Abrolham os perfumes.
Silêncio. Só de um lírio ouvem-se os passos.
Madruga a pesca, rompe um mar de lumes.


Esvoaçam suas túnicas de abelhas
Entre vinhas, seus bêbados recintos;
E quando a amendoeira nas orelhas
Põe flores, deram-lhe os deuses esses brincos.


Vem de turbante o sol e toma posse
De corpos, cactos, milhos e vinhedos.
Excita o açúcar na batata-doce
E despe as almas gregas dos penedos.


Ouro firme, crepúsculos de cinabre
Senhorio de azul. Balcões mouriscos.
Ferve a prata na pesca. O cheiro abre
No ar quente uma vulva de mariscos.


Jardins da Hespéria? Ninfeu de ondas macias,
O mar. As ninfas guardam os pomares.
As Hespérides são moças algarvias
Todas jasmim, da testa aos calcanhares.


Garb de praia e pele magia e lendas,
Branco de extasiadas geometrias.
Absorto o tempo. São gregas as calendas
Com pálpebras de mouras gelosias.


Laranjas, cal, areia e rocha ardente
Têm sede da luz que dá mais vida.
Índigos deuses. Ardor. Tudo é presente.
Causa clara de beira-mar garrida.

Natália Correia (1923 – 1993)

Natália Correia morreu há treze anos.
Ainda ando a comê-la.

1 comentário:

HFR disse...

"A poesia é para comer". E a Natália também. Ela fez por merecê-lo.