3 de setembro de 2007

Sementes (quatro)


A rapariga guardara as sementes durante tantos anos e tinha-se habituado a olhar para elas sempre que na sua vida acontecia ou estava para acontecer algo de importante. Contou que tinha sonhado com os lugares da sua infância e o rapaz escutou-a a falar como se estivesse ali a sonhar. A voz da rapariga foi baixando até ao nível do sussurro e o rapaz acercou-se mais. Nessa proximidade sentia claramente o odor que se desprendia da pele da rapariga. Um cheiro doce que lembrava baunilha e canela inebriava-lhe os sentidos ao mesmo tempo que uma estranha força o colocava cada vez mais próximo. Tão próximo que quase se tocavam.
Talvez pudesses ir lá comigo um dia, disse a rapariga como se despertasse. Ou pelo menos foi isso que pareceu ao rapaz no seu próprio despertar.
Contigo, aonde? Perguntou o rapaz ainda mal refeito da vertigem.
Aos sítios da minha infância, respondeu a rapariga iluminando o sorriso e estendendo a mão. O rapaz pegou-lhe com doçura e ali ficaram os dois num olhar de olhos que se procuram no fundo.

Por cima desse olhar líquido de adivinhar viagens, a rapariga disse-lhe:
Há muito que ninguém se interessava assim pelas minhas sementes. Queria muito que fosses capaz de as compreender e de as respeitar.

2 comentários:

CCF disse...

É preciso amar muito para viajar à infância de alguém, é que não basta ir aos lugares, é preciso ir ao tempo em que esse alguém era um menino ou uma menina e encontrar o modo como esses olhos viam o mundo. E depois, saber através da pele já adulta, o modo como esses olhos ainda são os mesmos da infância e são já outros. Boa viagem:)
~CC~

Gregório Salvaterra disse...

Pode ser que o rapaz aprenda a ler os mapas na pele e os destinos nas sementes. Quem sabe?...
Obrigado :)
JS