20 de outubro de 2005

Buganvília em Folha

(ou como os comentários podem ser comensais)

O contador afina pelo piar modal das gaivotas.
Percorre mais os fraseados menores da frígia dúvida existencial ao desconcerto lócrio da excentricidade.
É culpado de tudo menos da coerência. O soluçar das melopeias é mais um esculpir no vazio que nunca se saberá modal ou tonal.
Sentemo-nos. As sereias vão fazer a sua apresentação.

1 comentário:

  1. Tenho quarenta janelas
    nas paredes do meu quarto.
    Sem vidros nem bambinelas
    posso ver através delas
    o mundo em que me reparto.
    Por uma entra a luz do Sol,
    por outra a luz do luar,
    por outra a luz das estrelas
    que andam no céu a rolar.
    Por esta entra a Via Láctea
    como um vapor de algodão,
    por aquela a luz dos homens,
    pela outra a escuridão.
    Pela maior entra o espanto,
    pela menor a certeza,
    pela da frente a beleza
    que inunda de canto a canto.
    Pela quadrada entra a esperança
    de quatro lados iguais,
    quatro arestas, quatro vértices,
    quatro pontos cardeais.
    Pela redonda entra o sonho,
    que as vigias são redondas,
    e o sonho afaga e embala
    à semelhança das ondas.
    Por além entra a tristeza,
    por aquela entra a saudade,
    e o desejo, e a humildade,
    e o silêncio, e a surpresa,
    e o amor dos homens, e o tédio,
    e o medo, e a melancolia,
    e essa fome sem remédio
    a que se chama poesia,
    e a inocência, e a bondade,
    e a dor própria, e a dor alheia,
    e a paixão que se incendeia,
    e a viuvez, e a piedade,
    e o grande pássaro branco,
    e o grande pássaro negro
    que se olham obliquamente,
    arrepiados de medo,
    todos os risos e choros,
    todas as fomes e sedes,
    tudo alonga a sua sombra
    nas minhas quatro paredes.

    Oh janelas do meu quarto,
    quem vos pudesse rasgar!
    Com tanta janela aberta
    falta-me a luz e o ar.


    Aurora boreal
    António Gedeão

    (Buganvília )

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